Pré-sal: é hora de retomar a discussão

    Passada a turbulência das eleições e reforçada a democracia, é hora de retomarmos a discussão sobre o pré-sal. Lembrando que a pressão contra a mudança da Lei 9578/97, péssima para o País, adiou a aprovação do projeto de partilha para depois das eleições. Que pressão é esta e de onde vem? Ela vem dos países desenvolvidos que não têm petróleo e calcaram as suas economias nesse produto, cada vez mais escasso e mais estratégico. Assim EUA, Europa e Ásia estão numa enorme insegurança energética. O cartel internacional está na mesma situação. Já dominou 90% das reservas mundiais e hoje tem menos de 5%. O pré-sal é uma questão de sobrevivência para todos eles.

    Outro fato importante é que os analistas sérios e independentes afirmam que estamos vivenciando o terceiro e irreversível choque mundial do petróleo: atingimos o pico de produção mundial e daqui para frente a oferta irá cair de forma drástica e irreversível.

    Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

    Isto significa o recrudescimento da luta por petróleo, gerando preocupante aumento do preço do barril. Há possibilidade, inclusive, de mais um conflito mundial.

    O pré-sal dá ao Brasil a possibilidade de ficar numa posição confortável. Ele pode durar mais de 40 anos proporcionando a auto-suficiência. Mas é preciso mudar a Lei 9478/97, herança de FHC, que entrega 100% do petróleo a quem produzir e esse produtor paga alguma coisa à União somente a partir da produção diária de 90.000 barris por dia, mas paga, no máximo, 20% da produção, em dinheiro, ficando com todo o petróleo.

    O Governo Lula, quando soube pelos diretores da Petrobrás da magnitude da descoberta do pré-sal, corretamente retirou 41 blocos do 9º leilão e criou Grupo de Trabalho para reestudar a legislação. Esse grupo, durante um ano e meio estudou várias alternativas e apresentou quatro propostas de Projeto de Lei para a questão petróleo: 1) Fundo Social; 2) Capitalização da Petrobrás; 3) Criação da estatal Pré-sal Petróleo e 4) Mudança do contrato de Concessão para contrato de Partilha de Produção.

    O mais importante deles é o 4º PL, porque muda o contrato de Concessão previsto na Lei 9478/97, artigo 26, para Partilha de produção. No primeiro, 100% da produção fica com o produtor. Na partilha, proposta do Governo Lula, o petróleo é da União e ela remunera os custos de produção em petróleo. Fizemos algumas simulações, partindo de algumas premissas como o custo de produção estimado em US$ 30 por barril e o preço do petróleo a US$ 70/barril. Sob estas premissas concluímos: na legislação vigente o Consórcio fica com 100% do petróleo e paga, em dinheiro, à União, no máximo 18,8% da produção total (o percentual varia com o volume produzido. Até 90.000 nada é pago); com o PL 5938, proposto pelo Governo, cabem à União cerca de 60% da produção, em petróleo. Outro avanço do PL do Governo é que a Petrobrás será a produtora de todos os campos, o que garante a compra de equipamentos, serviços e geração de empregos de qualidade, além de desenvolver tecnologia de ponta no País.

    O andamento das discussões transcorria com relativa tranqüilidade. Desconfiamos do fato do lobista cartel internacional, incrustado no IBP, ter feito oito audiências públicas no Congresso: seis no Senado e duas na Câmara. Cada audiência pública continha cinco mesas de debate; cada mesa, dois lobistas de peso. Onde estaria o resultado disto? Não foi preciso procurar muito. Examinando o substitutivo do relator Henrique Alves, vimos o resultado: ele introduziu uma emenda que eleva os royalties para 15% e os devolve ao consórcio produtor. Ela transformaria o Brasil num imenso paraíso fiscal tornando o nosso contrato de partilha o pior do mundo. Mais grave: a participação da União na produção cai de 60% para 29%. Ou seja, o relator estuprou o projeto do Governo.

    Quando o projeto chegou ao Senado, alertamos os senadores Pedro Simon e Renan Calheiros dessa anomalia. O senador Simon fez um discurso inflamado de revolta no Senado. E, com o senador Renan, a nosso pedido, levou a informação ao presidente Lula. O senador Renan prometeu derrubar essa maldita emenda Henrique Alves.

    No dia da votação no Senado, falamos com Renan e ele disse que não estava mais no controle da questão e que a decisão estava com o senador Romero Jucá. Falamos então com o senador: “Fique tranqüilo, disse Jucá; a emenda Ibsen e a emenda Henrique Alves estão suspensas. Elas serão votadas depois das eleições”. Com certo alivio, mas desconfiado, fomos ver o substitutivo do senador. A devolução dos royalties estava lá, Camuflada em 4 artigos. Portanto, o espírito da emenda Henrique Alves continuava.

    Falamos com a assessoria do senador Simon, e, com a ajuda do deputado Ibsen eles redigiram uma emenda para neutralizar os contrabandos de Jucá. Assim, o artigo 64 do substitutivo do senador Jucá, introduzido pelo senado Simon, procura neutralizar o produto do lobby do cartel do IBP, proibindo qualquer devolução de royalty. E faz um acréscimo para neutralizar os efeitos da emenda Ibsen contra o Rio de Janeiro: já que a emenda Simon evita que a União dê de presente R$ 54 bilhões por ano para o consórcio (fruto da emenda Henrique Alves/Jucá), a União pode ressarcir o Rio e demais estados produtores dos R$ 6 bilhões que eles perdem devido à emenda Ibsen.

    Finalmente, fizemos mais uma proposta para os parlamentares: mudar a Lei Kandir que isenta o petróleo do imposto de exportação. Não tem o menor sentido esse incentivo, pois o petróleo é um produto que o mundo inteiro quer e dele necessita. Logo, não é necessário incentivar sua exportação. Propusemos a extinção desse incentivo através de um projeto de Lei. Com isto, o Rio de Janeiro ganhará cerca de US$ 7 bilhões a mais.

    É hora de mobilização. Quando o petróleo era apenas um sonho, foi feito o movimento “o petróleo é nosso”, o maior movimento cívico da história do nosso País. Agora que o petróleo é uma realidade que supera todas as expectativas, é hora de retomar essa mobilização, pois estão em jogo reservas superiores a 100 bilhões de barris, um Iraque na América Latina. É a maior chance que o Brasil já teve para deixar de ser o eterno país do futuro e se tornar o país do agora. Com saúde, educação, empregos de qualidade, segurança, eliminando a triste condição de país mais rico e viável do planeta e ter um vergonhoso contingente de 50 milhões de miseráveis, além do terceiro pior índice de desigualdade do mundo. O pré-sal tem que ser nosso para a redenção econômica e social do Brasil.

(*) Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) e vice-presidente do Clube de Engenharia. 

    Passada a turbulência das eleições e reforçada a democracia, é hora de retomarmos a discussão sobre o pré-sal. Lembrando que a pressão contra a mudança da Lei 9578/97, péssima para o País, adiou a aprovação do projeto de partilha para depois das eleições. Que pressão é esta e de onde vem? Ela vem dos países desenvolvidos que não têm petróleo e calcaram as suas economias nesse produto, cada vez mais escasso e mais estratégico. Assim EUA, Europa e Ásia estão numa enorme insegurança energética. O cartel internacional está na mesma situação. Já dominou 90% das reservas mundiais e hoje tem menos de 5%. O pré-sal é uma questão de sobrevivência para todos eles.

    Outro fato importante é que os analistas sérios e independentes afirmam que estamos vivenciando o terceiro e irreversível choque mundial do petróleo: atingimos o pico de produção mundial e daqui para frente a oferta irá cair de forma drástica e irreversível.

    Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

    Isto significa o recrudescimento da luta por petróleo, gerando preocupante aumento do preço do barril. Há possibilidade, inclusive, de mais um conflito mundial.

    O pré-sal dá ao Brasil a possibilidade de ficar numa posição confortável. Ele pode durar mais de 40 anos proporcionando a auto-suficiência. Mas é preciso mudar a Lei 9478/97, herança de FHC, que entrega 100% do petróleo a quem produzir e esse produtor paga alguma coisa à União somente a partir da produção diária de 90.000 barris por dia, mas paga, no máximo, 20% da produção, em dinheiro, ficando com todo o petróleo.

    O Governo Lula, quando soube pelos diretores da Petrobrás da magnitude da descoberta do pré-sal, corretamente retirou 41 blocos do 9º leilão e criou Grupo de Trabalho para reestudar a legislação. Esse grupo, durante um ano e meio estudou várias alternativas e apresentou quatro propostas de Projeto de Lei para a questão petróleo: 1) Fundo Social; 2) Capitalização da Petrobrás; 3) Criação da estatal Pré-sal Petróleo e 4) Mudança do contrato de Concessão para contrato de Partilha de Produção.

    O mais importante deles é o 4º PL, porque muda o contrato de Concessão previsto na Lei 9478/97, artigo 26, para Partilha de produção. No primeiro, 100% da produção fica com o produtor. Na partilha, proposta do Governo Lula, o petróleo é da União e ela remunera os custos de produção em petróleo. Fizemos algumas simulações, partindo de algumas premissas como o custo de produção estimado em US$ 30 por barril e o preço do petróleo a US$ 70/barril. Sob estas premissas concluímos: na legislação vigente o Consórcio fica com 100% do petróleo e paga, em dinheiro, à União, no máximo 18,8% da produção total (o percentual varia com o volume produzido. Até 90.000 nada é pago); com o PL 5938, proposto pelo Governo, cabem à União cerca de 60% da produção, em petróleo. Outro avanço do PL do Governo é que a Petrobrás será a produtora de todos os campos, o que garante a compra de equipamentos, serviços e geração de empregos de qualidade, além de desenvolver tecnologia de ponta no País.

    O andamento das discussões transcorria com relativa tranqüilidade. Desconfiamos do fato do lobista cartel internacional, incrustado no IBP, ter feito oito audiências públicas no Congresso: seis no Senado e duas na Câmara. Cada audiência pública continha cinco mesas de debate; cada mesa, dois lobistas de peso. Onde estaria o resultado disto? Não foi preciso procurar muito. Examinando o substitutivo do relator Henrique Alves, vimos o resultado: ele introduziu uma emenda que eleva os royalties para 15% e os devolve ao consórcio produtor. Ela transformaria o Brasil num imenso paraíso fiscal tornando o nosso contrato de partilha o pior do mundo. Mais grave: a participação da União na produção cai de 60% para 29%. Ou seja, o relator estuprou o projeto do Governo.

    Quando o projeto chegou ao Senado, alertamos os senadores Pedro Simon e Renan Calheiros dessa anomalia. O senador Simon fez um discurso inflamado de revolta no Senado. E, com o senador Renan, a nosso pedido, levou a informação ao presidente Lula. O senador Renan prometeu derrubar essa maldita emenda Henrique Alves.

    No dia da votação no Senado, falamos com Renan e ele disse que não estava mais no controle da questão e que a decisão estava com o senador Romero Jucá. Falamos então com o senador: “Fique tranqüilo, disse Jucá; a emenda Ibsen e a emenda Henrique Alves estão suspensas. Elas serão votadas depois das eleições”. Com certo alivio, mas desconfiado, fomos ver o substitutivo do senador. A devolução dos royalties estava lá, Camuflada em 4 artigos. Portanto, o espírito da emenda Henrique Alves continuava.

    Falamos com a assessoria do senador Simon, e, com a ajuda do deputado Ibsen eles redigiram uma emenda para neutralizar os contrabandos de Jucá. Assim, o artigo 64 do substitutivo do senador Jucá, introduzido pelo senado Simon, procura neutralizar o produto do lobby do cartel do IBP, proibindo qualquer devolução de royalty. E faz um acréscimo para neutralizar os efeitos da emenda Ibsen contra o Rio de Janeiro: já que a emenda Simon evita que a União dê de presente R$ 54 bilhões por ano para o consórcio (fruto da emenda Henrique Alves/Jucá), a União pode ressarcir o Rio e demais estados produtores dos R$ 6 bilhões que eles perdem devido à emenda Ibsen.

    Finalmente, fizemos mais uma proposta para os parlamentares: mudar a Lei Kandir que isenta o petróleo do imposto de exportação. Não tem o menor sentido esse incentivo, pois o petróleo é um produto que o mundo inteiro quer e dele necessita. Logo, não é necessário incentivar sua exportação. Propusemos a extinção desse incentivo através de um projeto de Lei. Com isto, o Rio de Janeiro ganhará cerca de US$ 7 bilhões a mais.

    É hora de mobilização. Quando o petróleo era apenas um sonho, foi feito o movimento “o petróleo é nosso”, o maior movimento cívico da história do nosso País. Agora que o petróleo é uma realidade que supera todas as expectativas, é hora de retomar essa mobilização, pois estão em jogo reservas superiores a 100 bilhões de barris, um Iraque na América Latina. É a maior chance que o Brasil já teve para deixar de ser o eterno país do futuro e se tornar o país do agora. Com saúde, educação, empregos de qualidade, segurança, eliminando a triste condição de país mais rico e viável do planeta e ter um vergonhoso contingente de 50 milhões de miseráveis, além do terceiro pior índice de desigualdade do mundo. O pré-sal tem que ser nosso para a redenção econômica e social do Brasil.

(*) Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) e vice-presidente do Clube de Engenharia.