Mauro Santayana: A ética, a lei e os ministros

    
Não está sendo discutida, a fundo, a questão entre a Comissão de Ética Pública e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ao que se informa, sob sugestão de seu presidente, Marcílio Marques Moreira, a comissão está recomendando a demissão de Lupi, presidente do PDT, do Ministério do Trabalho, ou o afastamento de seu cargo partidário, por considerar eticamente incompatíveis as duas situações. Ética é uma palavra que vem sendo empregada a torto e a direito, adjetivada ou não, e a propósito de quase tudo. Defini-la é muito difícil.
 
A Comissão de Ética Pública não tem o poder de julgar ninguém, desde que não integra o Poder Judiciário nem o Poder Executivo - que pode, e deve, instituir inquéritos administrativos e, com base neles, demitir servidores a bem do serviço público. Quando alguém a ela se dirige, indagando se tal ou qual comportamento infringe a ética, sua atitude já pode ser considerada estranha: é sinal de que tem dúvida quanto a seu próprio comportamento. Dirigentes sindicais insinuam que Marcílio Marques Moreira não tem autoridade para tratar do caso, a partir do fato de que é membro do Conselho de Administração da American Banknote, que, entre outros negócios, confecciona as nossas carteiras de trabalho. O ministro Lupi, é o que dizem, estaria contrariando interesses da empresa norte-americana, ao pretender substituir esse tipo de documento por um cartão digital.
 
O fato é que o senhor Marques Moreira é homem de reconhecida cultura e talento. Ex-assessor de Santiago Dantas, diplomata e economista, ministro de Collor, é dos quadros mais expressivos do empresariado nacional. Chegou a ser membro do Conselho de Administração de dezenas de grandes empresas, a maioria delas multinacionais. Entre outras grandes corporações, o senhor Marques Moreira serviu ao Conselho de Administração da Prever, da Brasilpar, do Novotel-Brasil, do Club Mediterranée, da IBM, da Reynolds, da Hoechst e da General Electric, entre outras. E foi consultor sênior da Merryl Linch - a mesma envolvida nos escândalos de Wall Street. Segundo se sabe, é também sócio titular de poderosa firma nacional de consultoria, e está acima de suspeitas menores.
 
Talvez o senhor Marques Moreira não tenha dúvida de que sua atuação é ética, mesmo porque cada um tem sua própria idéia - pessoal e intransferível - sobre o assunto. Segundo justificou ao Correio Braziliense, ele é hoje membro de apenas uma empresa - a American Banknote - e considera que ter participado do conselho administrativo de tantas é ótimo, porque isso confere valiosa experiência. É uma opinião, embora haja aqueles que possam divergir de que o convívio, como consultor de empresas como a Merryl Linch, possa ajudar uma pessoa a julgar o comportamento ético alheio.
 
O senhor Carlos Lupi também se considera ético. É presidente de um partido e, na representação desse partido, ocupa o Ministério do Trabalho. Se Carlos Lupi pode favorecer o seu partido no ministério, qualquer outro que representar a agremiação e vier a substituí-lo fará o mesmo. Seria melhor para todos que parlamentares e dirigentes partidários não ocupassem cargos executivos. Essa é a tradição republicana que só uma reforma constitucional pode coibir. É provável, por exemplo, que o senador Edison Lobão, ao assumir o cargo de ministro de Minas e Energia venha a atuar em favor da ala do PMDB que representa.

Para ser coerente, será o caso de o senhor Marques Moreira considerar aética a nomeação do senador.
 
O que a lei pode fazer - e não faz com o rigor necessário - é dizer o que é crime contra a administração do Estado. Quanto ao mais, cabe ao presidente da República - responsável, de acordo com a Constituição, pela lisura de seus ministros - demitir os que lhe pareçam inconvenientes. Com comissão de ética, e sem ela.
 
Fonte: JB de 14 de janeiro de 2008
 
    

    

Não está sendo discutida, a fundo, a questão entre a Comissão de Ética Pública e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ao que se informa, sob sugestão de seu presidente, Marcílio Marques Moreira, a comissão está recomendando a demissão de Lupi, presidente do PDT, do Ministério do Trabalho, ou o afastamento de seu cargo partidário, por considerar eticamente incompatíveis as duas situações. Ética é uma palavra que vem sendo empregada a torto e a direito, adjetivada ou não, e a propósito de quase tudo. Defini-la é muito difícil.
 


A Comissão de Ética Pública não tem o poder de julgar ninguém, desde que não integra o Poder Judiciário nem o Poder Executivo – que pode, e deve, instituir inquéritos administrativos e, com base neles, demitir servidores a bem do serviço público. Quando alguém a ela se dirige, indagando se tal ou qual comportamento infringe a ética, sua atitude já pode ser considerada estranha: é sinal de que tem dúvida quanto a seu próprio comportamento. Dirigentes sindicais insinuam que Marcílio Marques Moreira não tem autoridade para tratar do caso, a partir do fato de que é membro do Conselho de Administração da American Banknote, que, entre outros negócios, confecciona as nossas carteiras de trabalho. O ministro Lupi, é o que dizem, estaria contrariando interesses da empresa norte-americana, ao pretender substituir esse tipo de documento por um cartão digital.
 


O fato é que o senhor Marques Moreira é homem de reconhecida cultura e talento. Ex-assessor de Santiago Dantas, diplomata e economista, ministro de Collor, é dos quadros mais expressivos do empresariado nacional. Chegou a ser membro do Conselho de Administração de dezenas de grandes empresas, a maioria delas multinacionais. Entre outras grandes corporações, o senhor Marques Moreira serviu ao Conselho de Administração da Prever, da Brasilpar, do Novotel-Brasil, do Club Mediterranée, da IBM, da Reynolds, da Hoechst e da General Electric, entre outras. E foi consultor sênior da Merryl Linch – a mesma envolvida nos escândalos de Wall Street. Segundo se sabe, é também sócio titular de poderosa firma nacional de consultoria, e está acima de suspeitas menores.
 


Talvez o senhor Marques Moreira não tenha dúvida de que sua atuação é ética, mesmo porque cada um tem sua própria idéia – pessoal e intransferível – sobre o assunto. Segundo justificou ao Correio Braziliense, ele é hoje membro de apenas uma empresa – a American Banknote – e considera que ter participado do conselho administrativo de tantas é ótimo, porque isso confere valiosa experiência. É uma opinião, embora haja aqueles que possam divergir de que o convívio, como consultor de empresas como a Merryl Linch, possa ajudar uma pessoa a julgar o comportamento ético alheio.
 


O senhor Carlos Lupi também se considera ético. É presidente de um partido e, na representação desse partido, ocupa o Ministério do Trabalho. Se Carlos Lupi pode favorecer o seu partido no ministério, qualquer outro que representar a agremiação e vier a substituí-lo fará o mesmo. Seria melhor para todos que parlamentares e dirigentes partidários não ocupassem cargos executivos. Essa é a tradição republicana que só uma reforma constitucional pode coibir. É provável, por exemplo, que o senador Edison Lobão, ao assumir o cargo de ministro de Minas e Energia venha a atuar em favor da ala do PMDB que representa.

Para ser coerente, será o caso de o senhor Marques Moreira considerar aética a nomeação do senador.
 


O que a lei pode fazer – e não faz com o rigor necessário – é dizer o que é crime contra a administração do Estado. Quanto ao mais, cabe ao presidente da República – responsável, de acordo com a Constituição, pela lisura de seus ministros – demitir os que lhe pareçam inconvenientes. Com comissão de ética, e sem ela.

 

Fonte: JB de 14 de janeiro de 2008