Getúlio Vargas sobre o Brasil: “Repele, por índole, as soluções extremistas”


Por Bruno Ribeiro / FLB-AP
30/04/2021

Durante o 1º de Maio de 1940, o presidente trabalhista apontou lições contra representações radicais

“A sociedade brasileira, felizmente, repele, por índole, as soluções extremistas”, disse o presidente da República, Getúlio Vargas, ao repudiar representações radicais no discurso pronunciado no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, por ocasião das comemorações do Dia do Trabalho, no dia 1º de maio de 1940.

A história mostra, segundo o trabalhista, que exemplos com esse perfil não perduram e são afastados pelas próprias falhas. Após 80 anos, o pensamento segue atual e é captado, de forma progressiva, como tradução para a crise federal impetrada pelo atual presidente, Jair Bolsonaro.

“Quem quer que observe a história e a dura lição sofrida por outros povos verá que os extremismos, mesmo quando logram uma vitória efêmera, caem logo vítimas dos próprios erros e das paixões que desencadearam”, afirmou.

Vargas acredita ainda na superação de contratempos sistêmicos a partir da correção de rumos amparados em medidas que privilegiem o progresso da nação, bem como combatam ilusões “ideológicas”.

“Corrigidos os abusos e imprevidências do passado, poderemos encarar o futuro com serenidade, certos de que as utopias ideológicas, na prática, verdadeiras calamidades sociais, não conseguirão afastar-nos das normas de equilíbrio e bom senso em que se processa a evolução da nacionalidade”, explicou.

E um dos diferenciados pilares fomentados pelo governo estadista e popular, no último século, foi a promoção das garantias sociais pelo trabalho. Preceito fundamental, portanto, de uma Era que colocou a cidadão como prioridade e a nação como potência mundial.

“Só o trabalho fecundo, dentro da ordem legal que assegura a todos – patrões e operários, chefes de indústrias e proletários, lavradores, artesãos, intelectuais – um regime de justiça e de paz, poderá fazer a felicidade da Pátria Brasileira”, exaltou, ao anunciar a assinatura do decreto-lei 2.162/1940, que instituiu o salário mínimo.

“Os benefícios da política trabalhista, empreendida nestes últimos anos, alcançam profundamente todos os grupos sociais, promovendo o melhoramento das condições de vida nas várias regiões do país e elevando o nível de saúde e de bem-estar geral”, completou.

Confira a íntegra do discurso:

“Trabalhadores do Brasil: Aqui estou, como de outras vezes, para compartilhar as vossas comemorações e testemunhar o apreço em que tenho o homem de trabalho como colaborador direto da obra de reconstrução política e econômica da Pátria. Não distingo, na valorização do esforço construtivo, o operário fabril do técnico de direção, do engenheiro especializado, do médico, do advogado, do industrial ou do agricultor. O salário, ou outra forma de remuneração, não constitui mais do que um meio próprio a um fim, e esse fim é, objetivamente, a criação da riqueza nacional e o surto de maiores possibilidades à nossa civilização.

A despeito da vastidão territorial, da abundância de recursos naturais e da variedade de elementos de vida, o futuro do país repousa, inteiramente, em nossa capacidade de realização. Todo trabalhador, qualquer que seja a sua profissão é, a este respeito, um patriota que conjuga o seu esforço individual à ação coletiva, em prol da independência econômica da nacionalidade. O nosso progresso não pode ser obra exclusiva do Governo, sim, de toda a Nação, de todas as classes, de todos os homens e mulheres, que se enobrecem pelo trabalho, valorizando a terra em que nasceram. Constitui preocupação constante do regime que adotamos difundir entre os elementos laboriosos a noção da responsabilidade que lhes cabe no desenvolvimento do país, pois o trabalho bem feito é uma alta forma de patriotismo, como a ociosidade uma atitude nociva e reprovável.

Nas minhas recentes excursões aos Estados do Centro e do Sul, em contato com as mais diversas camadas da população, recebi caloroso acolhimento e manifestações que testemunham, de modo inequívoco, a confiança que os brasileiros, desde os simples operários expoentes das atividades produtoras, depositam na ação governamental. Falando em momento como este, diante de uma multidão que vibra de exaltação patriótica, não posso deixar de pensar como os nossos governantes permaneceram, durante tanto tempo, indiferentes à cooperação construtiva das classes trabalhadoras.

Relegados a existência vegetativa, privados de direitos e afastados dos benefícios da civilização, da cultura e do conforto, os trabalhadores brasileiros nunca obtiveram, sob os governos eleitorais, a menor proteção, o mais elementar amparo. Para arrancar-lhes os votos, os políticos profissionais tinham de mantê-los desorganizados e sujeitos à vassalagem dos cabos eleitorais.

A obra de reparação e justiça realizada pelo Estado Novo distancia-nos, imensamente, desse passado condenável, que comprometia os nossos sentimentos cristãos: se tornara obstáculo insuperável à solidariedade nacional. Naquela época, ao aproximar-se o Primeiro de Maio, o ambiente era bem diverso. Generalizavam-se as apreensões e abria-se um período de buscas policiais nos núcleos associativos, pondo-se em custódia os suspeitos, dando a todos uma sensação de insegurança e exibindo um luxo de força nas ruas e locais de reunião, que, não raro, redundavam em choques e conflitos sangrentos. Atualmente, a data comemorativa dos homens de trabalho é festiva e de confraternização.

Os benefícios da política trabalhista, empreendida nestes últimos anos, alcançam profundamente todos os grupos sociais, promovendo o melhoramento das condições de vida nas várias regiões do país e elevando o nível de saúde e de bem-estar geral. A ação tutelar e previdente do Estado patenteia-se, de modo constante, na solicitude com que cria os serviços de proteção ao lar operário, de assistência à infância, de alimentação saudável e barata, de postos de saúde, de creches e maternidades, instituindo o ensino profissional junto às fábricas e, ultimamente, voltando as suas vistas para a construção de vilas operárias e casas populares.

Na continuação desse programa renovador, que encontrou no atual Ministro do Trabalho um eficiente e devotado orientador, assinamos, hoje, um ato de incalculável alcance social e econômico: a lei que fixa o salário mínimo para todo o país. Trata-se de antiga aspiração popular, promessa do movimento revolucionário de 1930, agora transformada em realidade, depois de longos e acurados estudos. Procurávamos, por esse meio, assegurar ao trabalhador remuneração equitativa, capaz de proporcionar-lhe o indispensável para o sustento próprio e da família. O estabelecimento de um padrão mínimo de vida para a grande maioria da população, aumentando, no decorrer do tempo, os índices de saúde e produtividade, auxiliará a solução de importantes problemas que retardam a marcha do nosso progresso.

À primeira vista, poderão pensar os menos avisados que a medida é prematura e unilateral, visto beneficiar, apenas, os trabalhadores assalariados. Tal, porém, não ocorre no plano do Governo. A elevação do nível de vida eleva, igualmente, a capacidade aquisitiva das populações e incrementa, por conseguinte, as indústrias, a agricultura e o comércio, que verão crescer o consumo geral e o volume da produção. As bases da nossa legislação social já estão solidamente lançadas nas leis que regulam a duração do trabalho, a higiene industrial, a ocupação das mulheres e menores, as aposentadorias e indenizações de acidentes, as associações profissionais, os convênios coletivos e a arbitragem. Ultima-se, agora, a organização da Justiça do Trabalho, cuja regulamentação está na fase final de estudos e deverá ser posta em vigor dentro de pouco.

É uma legislação que tende a ampliar-se e a cobrir com a sua proteção os diversos ramos da economia nacional, da fábrica aos campos, das oficinas aos estabelecimentos comerciais, empresas de transportes e todos os empregos e ocupações. As sugestões da experiência e as imposições da necessidade irão, naturalmente, indicando modificações e ampliações cuidadosas. Chegaremos, assim, a consolidar esse corpo de leis num Código do Trabalho adequado às condições do nosso progresso. Não é demais observar, a propósito das nossas conquistas de ordem social, que povos de civilização mais velha, apontados como modelos a copiar, ainda não conseguiram resolver satisfatoriamente as relações de trabalho, que continuam sendo, para eles, causa de perturbações e antagonismos, em vez de forças de cooperação para o bem comum.

Embora deixados ao abandono, os nossos trabalhadores souberam resistir às influências malsãs dos semeadores de ódios, a serviço de velhas e novas ambições de poderio político, consagrados a envenenar o sentimento brasileiro de fraternidade com o exotismo das lutas de classes. O ambiente nacional tem reagido sadiamente contra esses agentes de perturbação e desordem. A propaganda insidiosa e dissolvente, apenas, impressionou os pobres de espírito e serviu para agitar os mal intencionados.

Quem quer que observe a história e a dura lição sofrida por outros povos verá que os extremismos, mesmo quando logram uma vitória efêmera, caem logo vítimas dos próprios erros e das paixões que desencadearam, sacrificando muitas aspirações justas e legítimas, que poderiam ser alcançadas pacificamente.

A sociedade brasileira, felizmente, repele, por índole, as soluções extremistas. Corrigidos os abusos e imprevidências do passado, poderemos encarar o futuro com serenidade, certos de que as utopias ideológicas, na prática, verdadeiras calamidades sociais, não conseguirão afastar-nos das normas de equilíbrio e bom senso em que se processa a evolução da nacionalidade.

Só o trabalho fecundo, dentro da ordem legal que assegura a todos – patrões e operários, chefes de indústrias e proletários, lavradores, artesãos, intelectuais – um regime de justiça e de paz, poderá fazer a felicidade da Pátria Brasileira.”