Desenvolvimentismo de Celso Furtado centraliza debate em seminário do Centro de Memória Trabalhista


Por Bruno Ribeiro/FLB-AP
06/07/2020

Representatividade do paraibano é consolidada diante da relevância do legado econômico e social

“O crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças de mercado, mas o desenvolvimento social é fruto de uma ação política deliberada.” Nessa perspectiva, o advogado e economista Celso Furtado se notabilizou pela abordagem do desenvolvimentismo e o subdesenvolvimento, principalmente na América Latina. E a partir desses conceitos foi realizado, nesta segunda-feira (6), o terceiro painel do seminário online do Centro de Memória Trabalhista (CMT) em homenagem ao centenário de nascimento do intelectual brasileiro, celebrado no próximo dia 26 de julho.

Resultado da parceria entre o PDT e o órgão da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP), o evento, iniciado na última quarta-feira (1), estimula o debate, em quatro mesas temáticas, sobre o legado deixado pelo paraibano que marcou o século XX ao acumular reconhecimento e títulos pelo mundo, com destaque para o doutorado na Universidade de Paris e a cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

A penúltima mesa, transmitida pelo Youtube do CMT (confira, ao final, na íntegra) e pelas redes sociais da FLB-AP, foi formada pelo secretário-executivo de Planejamento e Orçamento do Ceará e doutor da Fundação Getúlio Vargas, Flavio Ataliba; pelo doutor em Economia pela Universidade de Leicester e professor da UFRJ, Ricardo Bielschowsky, e o jornalista e escritor, José Augusto Ribeiro. Como mediador, o líder da bancada do PDT na Câmara, deputado federal por Pernambuco, Wolney Queiroz.

Ao analisar o desenvolvimentismo, política baseada na meta de crescimento da produção industrial e da infraestrutura com participação ativa do Estado como base da economia, Flavio Ataliba listou quatro eixos para tratar da obra de Furtado: o primeiro é o pensamento das ideias de centro e periferia, desde sua passagem pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL); o segundo está no livro Formação Econômica do Brasil; o terceiro foi a ideia do desenvolvimento sustentável, e o quarto engloba o desenvolvimento regional.

“Qualquer obra de desenvolvimento teria que ter a participação do Estado como elo indutor, principalmente para romper a rotina de baixo valor agregado. Em conjunto ele também traz a reflexão para o Brasil entre a ponte do Nordeste com o Centro-Sul, a partir da ideia de centro e periferia. Já sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, Celso Furtado sempre esteve à frente do seu tempo”, comentou, ao indicar que suas ideias estão presentes nas rotinas de discussão do PDT.

Sobre a estratégia de progresso que contemple a sociedade como um todo e que integre crescimento e redistribuição de renda. Ricardo Bielschowsky analisou o contexto nacional a partir da política de industrialização, que acumula um legado problemático, incluindo a criação de subdesenvolvimento e de uma economia de subsistência, por exemplo.

“Continua existindo um grande volume de mão de obra com baixa produtividade. Como resultado, a grande pobreza e baixa distribuição de renda. Falta ainda um bom sistema tecnológico e educacional, conforme listaria Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, além da proteção ao meio ambiente. 50 anos depois, nada mais atual que a resiliência e o subemprego”, identificou.

Em um paralelo com a realidade atual, Bielschowsky projetou uma resposta crítica de Furtado, que sempre teve no nacionalismo uma das suas principais bandeiras, às práticas adotadas pela gestão Bolsonaro em diversas áreas.

“Do ponto de vista de sentimento, ele estaria muito triste e apreensivo. Como todos nós, perplexo com o governo federal administrando crises, como a pandemia. Em vez da harmonização, o que se tem é a maximização do confronto pelo Executivo”, criticou.

Autor da Trilogia “A Era Vargas”, José Augusto Ribeiro fez um relato das suas percepções sobre Furtado a partir da cobertura jornalística, desde 1950, da política nacional. “Ele completa o centenário no ano que o Brasil deveria estar comemorando o início da Revolução de 30 e a Era Vargas”, lamenta.

“Por incrível que pareça, na metade da década de 50, a grande mídia brasileira, com assinatura pessoal do Assis Chateaubriand, sustentava que o Brasil deveria permanecer um país agrícola. Ou seja, queriam manter os grandes latifúndios e não tratar de industrialização. É um legado nefasto dos latifundiários no Nordeste. Celso sobreviveu na Sudene por ter uma inteligência política, e não só econômica”, justificou.

“Ele passou pelos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadro e João Goulart, quando também assumiu o cargo de ministro do Planejamento, onde foi encarregado de elaborar o plano trienal, que buscava controlar a inflação sem sacrificar o desenvolvimento. Infelizmente, faltou, para viabilizá-lo, um pacto social entre trabalhadores e empresários”, explicou, ao relembrar o relato de Celso sobre o espanto dos militares nordestinos com a sua cassação em função do Golpe Militar de 1964.

Para Queiroz, a ligação de Furtado com suas raízes e a vontade de contribuir com o avanço social são pontos valorosos da trajetória do pensador que nasceu na cidade de Pombal, no Sertão da Paraíba.

“O que mais me marca, na história dele, é o amor pelo Brasil e a capacidade de colocar seu brilhantismo à disposição do país, assim como fez Darcy Ribeiro. São patriotas de fato que fazem muita falta na construção do futuro da nossa nação. Exemplos totalmente diferentes do que vemos hoje, pautados na subserviência aos estrangeiros”, ponderou, ao completar: “Só agora que o Paulo Guedes, após quase dois anos no cargo, descobriu que existem mais de 38 milhões de informais invisíveis para o governo. É uma lástima”.

Realidade histórica

Na abordagem da estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e a participação do Nordeste, Wolney também relatou que, neste momento, a contribuição da região segue em 14%, mesmo patamar dos anos 50, quando Celso Furtado atuou no estímulo de políticas econômicas. “Se não fosse a intervenção dele com a Sudene, o PIB seria a metade”, projetou.

Flavio Ataliba entende que a situação poderia ser ainda pior sem as intervenções de Furtado a partir do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) e a consequente criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

“Se não tivesse feito nada, poderíamos ter regredido. Diante da falta de continuidade do que Celso Furtado pensou, a região perdeu a chance de vanguarda no processo de crescimento do país. Sem a diversificação da pauta, manteve a agricultura de baixo valor agregado e a reduzida produtividade”, justificou.

“Evidentemente que tivemos avanços, como na Bahia e Pernambuco. Isso deu um aumento na geração de riqueza, mas não foi suficiente para avançar na participação do PIB”, completou.

Ao dizer que Furtado sempre sonhou com um Brasil democrático e solidário, onde deveria existir um projeto que beneficiaria a nação como um todo, bem como uma relação virtuosa entre estado, empresas e trabalhadores, Ricardo Bielschowsky consolidou a abordagem apresentada pelos debatedores com relação à evolução socioeconômica.

“Se houvesse justiça social, o Nordeste deveria ter o dobro da participação do PIB atualmente. 14% de um indicador estagnado desde 1980. A falta de crescimento torna ainda mais injusta a realidade”, concluiu.

Encerramento

Nesta terça-feira (7), o seminário será finalizado com o painel sobre “O Papel de Celso Furtado no Desenvolvimento do Nordeste”. Programado para 19 horas, o encontro contará com a mediação do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, e as participações do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, o governador do Maranhão, Flávio Dino, e a doutora em Economia pela Universidade de Paris, Tânia Bacelar.

Confira o terceiro painel, na íntegra: