Daniel Munduruku almeja vagas na Academia Brasileira de Letras e no Congresso Nacional


Da Redação/ Jornal Extra
22/09/2021

Filiado ao PDT paulista, há 25 anos o indígena promove a “literatura militante” para crianças e jovens

 Defensor das causas indígenas e educacionais, o professor Daniel Munduruku, de 57 anos, quer mudar a visão da sociedade brasileira através de livros e atos que reforcem “a outra versão da história”. Com 25 anos de “literatura militante” e o sobrenome remetendo ao seu povo originário do Pará, Munduruku concorre a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Em 2022, almejará mais um desafio: conquistar uma vaga na Câmara dos Deputados a partir do PDT de Lorena, no interior de São Paulo. O partido de Leonel Brizola já marcou a política ao eleger o primeiro índio para o Congresso Nacional. Em 1982, o cacique Xavante Mário Juruna recebeu mais de 31 mil votos no Rio de Janeiro.

Durante a preparação do lançamento de sua próxima obra, “A Chave do meu Sonho”, o pré-candidato pedetista mostra engajamento em ações populares para garantir direitos e promover o progresso socialmente responsável.

Recentemente, apoiou a mobilização, em Brasília, diante do julgamento no Superior Tribunal Federal (STF) da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A questão está sendo analisada pelos ministros e teve pedido de vista solicitado por Alexandre de Moraes na última quarta-feira (15).

Confira a entrevista para o jornal Extra:

 O senhor tem 54 livros publicados, a maioria para o público infanto-juvenil. Por que escolheu esse público?

Para aproximar crianças e jovens dos saberes indígenas, sempre ensinados de forma equivocada. Precisava fazer com que ouvissem a outra versão da história.

Como a cultura dos povos indígenas é ensinada?

A escola tem sido o principal instrumento de reprodução de visões equivocadas. Até 1988, os indígenas eram vistos como uma espécie de passado do Brasil. Como se não fizessem parte do cotidiano. Havia a exploração de uma visão romantizada, reproduzida no Dia do Índio.

A partir de 1988, com a nova Constituição, os indígenas conquistaram o direito de serem cidadãos brasileiros. Era para haver uma mudança, mas aconteceu vagarosamente, e ainda hoje a escola reproduz imagens negativas. O que ajuda, a partir de 2005, é a introdução de uma literatura feita pelos indígenas.

Qual é o papel da literatura na mudança dessa visão?

Há um tipo de literatura que é engajada, comprometida com a mudança social. Encaro a literatura indígena como esse engajamento. Acredito muito no papel transformador da leitura. Ela cria visão de mundo, consciência crítica, transforma as pessoas, permite que consigam olhar a História do Brasil não com uma narrativa hegemônica do Estado brasileiro.

O senhor concorre a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Qual a importância da vaga?

Mais que individual, é coletiva. Busco dar mais visibilidade aos povos indígenas. É também mais uma possibilidade de militância dentro da cultura brasileira.

É um desejo de que as pessoas conheçam mais nossa cultura, escrita, e que os povos indígenas não sejam mais vistos como seres do passado, mas do agora, contemporâneos. E, quem sabe, sejam vistos também como os guardiões de um futuro possível para o Brasil.

O senhor publicou nas redes sociais que foi questionado num aeroporto por ser um “índio andando de avião”.

Esse tipo de situação acontece o tempo todo, só resumi em palavras. Os indígenas ainda são muito atacados por serem do jeito que são, por resistirem e lutarem para manter sua cultura. A gente ainda é visto como um estorvo. O Brasil é ignorante, no sentido filosófico, do que não sabe.

O senhor esteve, em Brasília, acompanhando o julgamento do marco temporal. Quais as consequências se o STF adotar essa tese para as demarcações?

A Constituição garante que os indígenas são legítimos habitantes dessa terra chamada Brasil para além de uma data específica. Eu acredito que o Supremo vai reafirmar isso. Caso isso não ocorra, acredito que vá acontecer uma série de invasões de terras e de conflitos.

Aqueles que defendem essa tese têm recursos financeiros, apoio do governo federal, que tem sido um dos principais aliados do agronegócio, e vão ter uma força muito grande para fazer esse tipo de invasão nos territórios indígenas. Seria uma grande derrota para o Brasil como um todo. Pode ser o fim dos próprios povos indígenas, e do ambiente em que a gente vive.