Da asfixia da TRIBUNA ao monopólio da informação

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei . No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar”...
(
Martin Niemöller, pastor luterano alemão, em 1933)

 

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, naquele efervescente 1959, havia jornais para todos os gostos. Era um tempo em que a disseminação de informações em todas as camadas funcionava como o mais rico nutrientes do grande salto na economia.

Sem aquela fartura de títulos nas bancas, o sentimento de progresso não teria se enraizado como um átomo transformador, em função do qual o Brasil mudou de fio a pavio.De país rural, sujeito à hegemonia política dos senhores da terra, evoluiu corajosamente no rumo de um processo industrial que. Com a ajuda da imprensa escrita, teria de atacar velhos tabus, como o alto índice de analfabetismo e escassa disponibilidade de mão de obra qualificada.

Foi com o facho dos jornais e revistas que a economia iluminou seu caminho nos idos de JK. Naqueles idos, tínhamos opções entre diários matutinos e vespertinos, estes com mais de uma edição.

Os semanários tinham grande penetração por seu caráter político. Algumas revistas, como O CRUZEIRO em sua fase áurea, alcançavam tiragens invejáveis: em 1953, quando o Brasil tinha 53 milhões de habitantes, a maioria nas áreas rurais, essa revista alcançou a tiragem de 750 mil exemplares.Se considerarmos a população brasileira de então, pode-se dizer que até hoje, apesar da tecnologia e a sofisticação, nenhuma publicação similar conseguiu tão significativos desempenhos em quantidade de exemplares vendidos semanalmente.

Bons tempos, aqueles - Era uma época tão fértil que as portas das redações se abriam muito cedo para aprendizes vocacionados e escribas imberbes. Em geral, os jornalistas trabalhavam em pelo menos dois lugares.

Se não fosse pela profusão de oportunidades, eu não teria tido a minha carteira profissional assinada como repórter da ÚLTIMA HORA no dia 17 de fevereiro de 1961, isto é, um mês antes de completar 18 anos, e seis meses depois de ser entregue aos cuidados do brilhante Pinheiro Junior, chefe de reportagem, por Milton Coelho da Graça, a grande referência profissional por muitos anos.

No mesmo 1961, ia trabalhar como repórter sindical de O DIA, sob a chefia de Nelson Salim, situação que não durou muito, porque fui contratado, aos 18 anos, para implantar o Departamento de Língua Portuguesa da Rádio Havana, a emissora de ondas curtas que nascia na “pérola do Caribe”.

Fonte de resistência - Esse leque de jornais ainda resistiu alimentando o estreito corredor da liberdade até o AI-5, em dezembro de 1968. Registre-se que ainda antes de 1964 houve algumas perdas – casos dos vespertinos A NOITE e DIÁRIO DA NOITE (que chegou a vender 200 mil exemplares na década de 50, quando a população da cidade do Rio de Janeiro era de 2,5 milhões de habitantes).

Então, o jornalista dificilmente ficava desempregado. Eu mesmo passei por uma situação inacreditável. Quando o meu conterrâneo Gualter Loyola de Alencar me trouxe para a TRIBUNA, em 1967, tive que fazer ginástica para ajudá-lo a editar a primeira página, sem abandonar outros batentes.

Por alguns meses, “bati o ponto” em cinco lugares, porque não tinha coragem de pedir demissão e “abandonar os barcos”. Às seis da manhã, chegavaà TV Tupi, na Urca, para escrever o segundo caderno do JORNAL DA TARDE.

Às 9, conforme acordo com o diretor Paulo Vial Correa, pegava meu fusca, atravessava a cidade e ia trabalhar como assessor de Relações Públicas da Acesita, na Visconde de Inhaúma, escrevendo todas as cartas do seu presidente, Wilker Moreira Barbosa.

Almoçava na mesa de trabalho, e me deslocava até o prédio da Rio Branco 277, ao lado do Clube Militar, onde escrevia na Alton Propaganda “A Voz dos Municípios” para a Rádio Nacional com o patrocínio da Capemi. O produtor do programa era Bob Nelson, de quem fora fã na infância, que estava sem trabalho como cantor.

Às quatro, estava na Redação do CORREIO DA MANHÃ, na Gomes Freire, onde fazia a página internacional, sob a chefia de Maurício Gomes Leite, tendo ao lado luminares como Otto Maria Carpeaux, Paulo de Castro e o nosso Argemiro Ferreira, sem falar no Ricardo Franco Neto, no Guilherme Cunha e no José Fernandes.

Finalmente, às 9 da noite, saia pela oficina e dava de cara na Rua do Lavradio com a redação da TRIBUNA, chefiada então por Guimarães Padilha, tendo o Gualter Loiola como editor.

Claro que isso não durou muito, mas aconteceu com outros colegas também porque havia muitas oportunidades para os profissionais do que hoje chamam de Comunicação Social.

E não durou porque fui me envolvendo mais com a TRIBUNA, já então a grande trincheira da resistência democrática, cuja redação passei a chefiar alguns meses antes de ser levado na madrugada fria de junho de 1969 para a Ilha das Flores, primeira das três ilhas em que me encarceraram por quase dois anos.

Conto essa história a propósito da pressão perversa que vem asfixiando a TRIBUNA há mais de 40 anos e que provocou a paralisação TEMPORÁRIA de sua circulação.Rumo ao monopólioHoje, há um quadro inteiramente diverso daqueles anos de crescimento. A maioria dos jornais desapareceu, enquanto a TRIBUNA sobrevivia a duras penas, graças a tenacidade de Hélio Fernandes e aos profissionais que acreditavam na necessidade de pelo menos um contraponto nesse universo midiático atrelado a um sistema que banca uma pouco variada “imprensa de resultados”.

O mercado de trabalho encolheu na proporção inversa de uma demanda incalculável, gerada por uma quantidade exagerada de cursos de jornalismo e de expectativas entre os jovens em relação à comunicação social, área que se inscreve entre as mais procuradas nos vestibulares.

Pode-se dizer que mais da metade dos empregos em redações no Rio de Janeiro é oferecida pelo complexo GLOBO (TV, rádios, jornais e revistas) e que de cada três profissionais empregados, dois estão em assessorias, onde se pagam os melhores salários.

Isso significa que avançamos para uma atividade monopolista no campo da informação, o que terá reflexos dramáticos numa sociedade dita democrática, que vê suas instituições sucumbirem sob o controle de alguns grupos ávidos de poder e do que dele provém.

O estrangulamento da TRIBUNA resulta de uma combinação de interesses e atos inescrupulosos, com repercussão inevitável sobre a vida do país, constituindo-se num golpe de alcance múltiplo, numa etapa irreversível de uma perigosa escalada de essência muito mais deletéria do que o regime que hoje abominam desonestamente muitos dos que se refestelaram à sua sombra.

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei . No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar”…
(
Martin Niemöller, pastor luterano alemão, em 1933)

 

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, naquele efervescente 1959, havia jornais para todos os gostos. Era um tempo em que a disseminação de informações em todas as camadas funcionava como o mais rico nutrientes do grande salto na economia.

Sem aquela fartura de títulos nas bancas, o sentimento de progresso não teria se enraizado como um átomo transformador, em função do qual o Brasil mudou de fio a pavio.De país rural, sujeito à hegemonia política dos senhores da terra, evoluiu corajosamente no rumo de um processo industrial que. Com a ajuda da imprensa escrita, teria de atacar velhos tabus, como o alto índice de analfabetismo e escassa disponibilidade de mão de obra qualificada.

Foi com o facho dos jornais e revistas que a economia iluminou seu caminho nos idos de JK. Naqueles idos, tínhamos opções entre diários matutinos e vespertinos, estes com mais de uma edição.

Os semanários tinham grande penetração por seu caráter político. Algumas revistas, como O CRUZEIRO em sua fase áurea, alcançavam tiragens invejáveis: em 1953, quando o Brasil tinha 53 milhões de habitantes, a maioria nas áreas rurais, essa revista alcançou a tiragem de 750 mil exemplares.Se considerarmos a população brasileira de então, pode-se dizer que até hoje, apesar da tecnologia e a sofisticação, nenhuma publicação similar conseguiu tão significativos desempenhos em quantidade de exemplares vendidos semanalmente.

Bons tempos, aqueles – Era uma época tão fértil que as portas das redações se abriam muito cedo para aprendizes vocacionados e escribas imberbes. Em geral, os jornalistas trabalhavam em pelo menos dois lugares.

Se não fosse pela profusão de oportunidades, eu não teria tido a minha carteira profissional assinada como repórter da ÚLTIMA HORA no dia 17 de fevereiro de 1961, isto é, um mês antes de completar 18 anos, e seis meses depois de ser entregue aos cuidados do brilhante Pinheiro Junior, chefe de reportagem, por Milton Coelho da Graça, a grande referência profissional por muitos anos.

No mesmo 1961, ia trabalhar como repórter sindical de O DIA, sob a chefia de Nelson Salim, situação que não durou muito, porque fui contratado, aos 18 anos, para implantar o Departamento de Língua Portuguesa da Rádio Havana, a emissora de ondas curtas que nascia na “pérola do Caribe”.

Fonte de resistência – Esse leque de jornais ainda resistiu alimentando o estreito corredor da liberdade até o AI-5, em dezembro de 1968. Registre-se que ainda antes de 1964 houve algumas perdas – casos dos vespertinos A NOITE e DIÁRIO DA NOITE (que chegou a vender 200 mil exemplares na década de 50, quando a população da cidade do Rio de Janeiro era de 2,5 milhões de habitantes).

Então, o jornalista dificilmente ficava desempregado. Eu mesmo passei por uma situação inacreditável. Quando o meu conterrâneo Gualter Loyola de Alencar me trouxe para a TRIBUNA, em 1967, tive que fazer ginástica para ajudá-lo a editar a primeira página, sem abandonar outros batentes.

Por alguns meses, “bati o ponto” em cinco lugares, porque não tinha coragem de pedir demissão e “abandonar os barcos”. Às seis da manhã, chegavaà TV Tupi, na Urca, para escrever o segundo caderno do JORNAL DA TARDE.

Às 9, conforme acordo com o diretor Paulo Vial Correa, pegava meu fusca, atravessava a cidade e ia trabalhar como assessor de Relações Públicas da Acesita, na Visconde de Inhaúma, escrevendo todas as cartas do seu presidente, Wilker Moreira Barbosa.

Almoçava na mesa de trabalho, e me deslocava até o prédio da Rio Branco 277, ao lado do Clube Militar, onde escrevia na Alton Propaganda “A Voz dos Municípios” para a Rádio Nacional com o patrocínio da Capemi. O produtor do programa era Bob Nelson, de quem fora fã na infância, que estava sem trabalho como cantor.

Às quatro, estava na Redação do CORREIO DA MANHÃ, na Gomes Freire, onde fazia a página internacional, sob a chefia de Maurício Gomes Leite, tendo ao lado luminares como Otto Maria Carpeaux, Paulo de Castro e o nosso Argemiro Ferreira, sem falar no Ricardo Franco Neto, no Guilherme Cunha e no José Fernandes.

Finalmente, às 9 da noite, saia pela oficina e dava de cara na Rua do Lavradio com a redação da TRIBUNA, chefiada então por Guimarães Padilha, tendo o Gualter Loiola como editor.

Claro que isso não durou muito, mas aconteceu com outros colegas também porque havia muitas oportunidades para os profissionais do que hoje chamam de Comunicação Social.

E não durou porque fui me envolvendo mais com a TRIBUNA, já então a grande trincheira da resistência democrática, cuja redação passei a chefiar alguns meses antes de ser levado na madrugada fria de junho de 1969 para a Ilha das Flores, primeira das três ilhas em que me encarceraram por quase dois anos.

Conto essa história a propósito da pressão perversa que vem asfixiando a TRIBUNA há mais de 40 anos e que provocou a paralisação TEMPORÁRIA de sua circulação.Rumo ao monopólioHoje, há um quadro inteiramente diverso daqueles anos de crescimento. A maioria dos jornais desapareceu, enquanto a TRIBUNA sobrevivia a duras penas, graças a tenacidade de Hélio Fernandes e aos profissionais que acreditavam na necessidade de pelo menos um contraponto nesse universo midiático atrelado a um sistema que banca uma pouco variada “imprensa de resultados”.

O mercado de trabalho encolheu na proporção inversa de uma demanda incalculável, gerada por uma quantidade exagerada de cursos de jornalismo e de expectativas entre os jovens em relação à comunicação social, área que se inscreve entre as mais procuradas nos vestibulares.

Pode-se dizer que mais da metade dos empregos em redações no Rio de Janeiro é oferecida pelo complexo GLOBO (TV, rádios, jornais e revistas) e que de cada três profissionais empregados, dois estão em assessorias, onde se pagam os melhores salários.

Isso significa que avançamos para uma atividade monopolista no campo da informação, o que terá reflexos dramáticos numa sociedade dita democrática, que vê suas instituições sucumbirem sob o controle de alguns grupos ávidos de poder e do que dele provém.

O estrangulamento da TRIBUNA resulta de uma combinação de interesses e atos inescrupulosos, com repercussão inevitável sobre a vida do país, constituindo-se num golpe de alcance múltiplo, numa etapa irreversível de uma perigosa escalada de essência muito mais deletéria do que o regime que hoje abominam desonestamente muitos dos que se refestelaram à sua sombra.