Complexo econômico-industrial da saúde pode vencer o coronavírus, gerar empregos e desenvolver o País

Imagem: Dorot Schenk/ Pixabay

*Por Chico D’Angelo
Carta Capital
21/01/2021

A saúde pode desempenhar a mesma função estratégica que os investimentos militares tiveram nos EUA: pode exercer o papel de liderança

Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, o presidente da república reagiu da pior maneira possível, desdenhando das advertências que a comunidade científica internacional fazia a todos os países sobre a gravidade daquela pandemia.

Numa live feita no dia 22 de março de 2020, Bolsonaro arma, categoricamente, que o número de mortos tocante ao coronavírus não chegaria a 800 pessoas.

Escrevo esse artigo no dia 1º de julho, um pouco mais de três meses após a armação do presidente e o número oficial de vítimas da covid-19 (nome da doença provocada pelo novo coronavírus) é de 59.594 cidadãos brasileiros!

O Brasil é hoje o país campeão mundial de mortes diárias por coronavírus!

Ainda naquela famigerada live, Bolsonaro já revelava o que vem sendo o seu principal argumento para combater as medidas de isolamento social, adotadas por prefeitos e governadores, e que é a única maneira eficiente, até o momento, de conter a disseminação de um vírus para o qual ainda não existe cura ou tratamento: a preocupação com o nível de emprego.

Na verdade, Bolsonaro não disfarça que sua preocupação não é propriamente com o nível de emprego no país, e sim que o aumento do desemprego seja colocado em suas costas e que isso prejudique sua popularidade e seus planos de reeleição em 2022.

A postura de Bolsonaro não é apenas genocida. É profundamente simplória. Estudos da Fiocruz, coordenado por Carlos Gadelha, mostram que a saúde pública pode ser o “elo perdido” do nosso desenvolvimento econômico.

Em palestra recente organizada pelo Instituto de Economia da Unicamp, Gadelha observou que “o fato de um sistema único de saúde estruturado em todo o território nacional abre uma possibilidade única de alavancar o sistema produtivo de inovação industrial”.

Em outras palavras, a saúde pode desempenhar a mesma função estratégica que os investimentos militares tiveram nos Estados Unidos: pode exercer o papel de liderança de um processo abrangente de reindustrialização e modernização tecnológica do país, e isso ao mesmo tempo em que gera milhões de empregos, substitui importações, reduz desigualdades, melhora as condições de educação e, sobretudo, assegura maior bem estar a todos os brasileiros!

Segundo estudos da Fiocruz, o déficit da balança comercial da saúde cresceu de maneira dramática nos últimos quinze anos, justamente no período em que houve um grande avanço na universalização do SUS.

Em 2019, o déficit voltou a crescer, atingindo perto de US$ 15 bilhões. Ainda segundo Gadelha, se formos somar os royalties pagos por medicamentos usados no país, essa conta ultrapassa os US$ 20 bilhões, o com o nível do dólar de hoje, é maior do que todo o orçamento do Ministério da Saúde.

Por isso mesmo, alerta Gadelha, a “ousadia que o Brasil teve de criar o maior sistema universal de saúde do mundo”, em números de atendidos, deve se converter também em coragem para desafiar ortodoxias econômicas obsoletas e desenhar uma política industrial e tecnológica igualmente ousada.

Sem uma política voltada a modernizar e ampliar a nossa base produtiva e tecnológica, o acesso universal da população à saúde estará comprometido, é o que também alerta o pesquisador.

Durante os governos petistas, em especial no mandato de Lula, foram elaboradas e postas em práticas algumas medidas muito importantes para o estabelecimento de um complexo econômico-industrial de saúde no Brasil. Houve alguns resultados concretos, como a redução do déficit comercial entre os anos de 2013 a 2016, quando políticas iniciadas em 2008 começam a dar frutos.

Toda essa experiência acumulada, no entanto, foi jogada no lixo após o impeachment, quando começaram a desmobilizar essas iniciativas. Em 2019, o Departamento do Complexo Industrial da Saúde, órgão do Ministério da Saúde, foi extinto na prática. Como resultado, o déficit da balança comercial voltou a aumentar a partir de 2017, atingindo novo recorde em 2019, e promete explodir esse ano, por conta da emergência produzida pelo coronavírus.

Entretanto, o principal entrave às políticas industriais da saúde, como de resto a todas as políticas industriais dos últimos anos, e que já era um problema grave antes do impeachment, tem sido o conflito com a agenda macroeconômica conservadora, seja na forma de juros que inviabilizavam quaisquer investimentos produtivo seja no declínio dramático dos investimentos públicos.

Segundo os estudos da Fiocruz, a saúde gera 7 milhões de empregos diretos ou 15 milhões de empregos, somando também os indiretos. Cerca de 30% de todo o esforço nacional de pesquisa é obra de pessoas e instituições ligadas à área da saúde.

É importante ficarmos atentos, para um novo grande desafio da modernidade, o qual a pandemia do coronavírus apenas apressou e tornou ainda mais dramático, que é o aumento da desigualdade produtiva tecnológica no campo da saúde.

Haverá países que, em função do controle de patentes e tecnologias, poderão proteger suas populações de possíveis novas pandemias, além das velhas doenças conhecidas da humanidade, que ainda continuam matando tanto como antes.

E haverá países, que por não possuírem sistemas produtivos de saúde, dependerão do mercado internacional que não se caracteriza, como pudemos testemunhar durante a crise do coronavírus, por nenhum tipo de solidariedade.

Na disputa mundial por respiradores, valeu a lei do mais forte e mais rico. Muitos estados e municípios brasileiros viveram situações dramáticas por falta de remédios e equipamentos necessários ao combate Covid-19, e tiveram enormes dificuldades para adquirir esses produtos lá fora.

Esses fatores demonstram que a criação, consolidação e fortalecimento do complexo econômico-industrial saúde tem de ser um dos pilares centrais de um novo projeto nacional, e isso em nome tanto do desenvolvimento econômico do país, como em nome da própria segurança biológica da nossa população

* Chico D’Angelo é deputado federal (PDT-RJ).