“Carta-testamento de Getúlio é uma denúncia do imperialismo”, relata Flávio Tavares


03/06/2022

Signatário da Carta de Lisboa, jornalista gaúcho detalha legado trabalhista e enfrentamento da ditadura

“A carta-testamento do Getúlio [Vargas] é uma denúncia do imperialismo”, afirmou o jornalista e escritor Flávio Tavares, 88 anos, em entrevista para o programa “Trabalhismo na História”, do Centro de Memória Trabalhista (CMT), publicada nesta sexta-feira (3). Ao exaltar o legado trabalhista do ex-presidente da República e do ex-governador Leonel Brizola, o signatário da Carta de Lisboa relatou ainda o enfretamento da ditadura militar, mesmo após a tortura.

Militante do movimento estudantil gaúcho, Flávio Tavares, que é natural do município de Lajeado (RS), expôs para Henrique Matthiesen, coordenador do CMT, toda a representatividade traduzida por Vargas, com quem teve relação política a partir do seu mandato como presidente da União Estadual de Estudantes Universitários.

“Pedíamos reformas universitárias, pois nós queríamos que nos ensinassem mais, fossem mais rigorosos, ao contrário de hoje. […] Getúlio me cativou. O último encontro foi poucos dias antes do seu suicídio. Comecei a entender o que era o trabalhismo”, explicou.

“A carta-testamento de Getúlio é uma denúncia do imperialismo. […] Como dizia Leonel Brizola: ‘Não há denúncia maior do que aquela feita com sangue”, completou.

Tavares seguiu exaltando Brizola ao citar seu livro “1961: o Golpe Derrotado”, que trata da Campanha da Legalidade. Liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, o movimento civil e militar garantiu a posse de João Goulart, como presidente da República, após a renúncia de Jânio Quadros.

“Só Brizola ficou contra o golpe instalado, já feito. Ele se rebelou e convocou o povo e as forças armadas através de um pronunciamento pelas rádios, em cadeia nacional, que mobilizou o país inteiro”, contou.

“Foi uma mobilização intensa que chegou a mudar, inclusive, as relações internacionais. Colocou o Brasil fora do âmbito norte-americano da Guerra Fria. […] Pela primeira, a rebelião era para manter a lei, que era a Constituição”, completou.

Resistência

Fazendo das letras uma ferramenta de resistência contra a ditadura militar, apesar de também ter participado da luta armada após o golpe de 1964, Tavares citou os três períodos em que ficou preso. No último, conheceu o “horror” com torturas físicas e psicológicas.

“Em 1969, fui novamente preso e conheci a tortura, como o choque elétrico e o ‘pau de arara’. Fui um dos 15 da lista, que foram trocados pelo embaixador norte-americano sequestrado [Charles Burke Elbrick], porque estava muito mal na prisão. Na mão direita, eu sequer conseguia assinar os depoimentos por receber os choques elétricos”, detalhou.

Com o consequente exílio, no México, após a libertação, o jornalista detalhou a longa viagem de mais de 26 horas, que teve início na saída da cela do Exército, passando pelo transporte “algemado e amarrado” em bancos de um avião militar e concluída na Embaixada brasileira. Na América do Norte, retomou sua carreira profissional com uma nova perspectiva para a vida.

“Fique seis anos no México e fui trabalhar no [diário mexicano] Excelsior, que depois me enviou para Buenos Aires como correspondente internacional. […] No exílio, aprendi a ser humilde e compreensivo. Com o nascimento do meu filho, passei a ter uma nova visão do mundo. Não me rebelar apenas por rebelião. A dor purifica”, concluiu.