Brizola Neto: A pressa é inimiga da Nação

    

“Criar uma nova estatal para o petróleo do pré-sal é apenas criar um escritório de negociação de interesses. Quem tem o conhecimento, as sondas, a técnica para explorar este petróleo é a Petrobrás. E – porque não? – abrir a porteira para favorecimentos, desvios e descaminhos que uma estrutura corporativa sólida como a da Petrobrás não pode fazer, não sem que isso acabe do conhecimento público”.

 

Por Brizola Neto

 

Qualquer estudante de segundo grau sabe que energia é essencial ao desenvolvimento. E que o petróleo está terminando em todo o mundo. Quem o tem, tem uma riqueza tão valiosa que é alvo da cobiça que chega, às vezes, até mesmo à guerra. Nem sempre foi assim.

 

Nos anos 50, quando se criou a Petrobrás, o petróleo era barato. Encontrá-lo, diante das pequenas quantidades localizadas, era caríssimo. Alguns idealistas, como Monteiro Lobato, sacrificaram seu patrimônio com a determinação de achá-lo. Os homens “práticos”, destes que pensam com a cabeça de uma máquina de calcular, jamais teriam se lançado a pesquisar e produzir petróleo.

 

Afinal, com um preço médio de US$ 3 dólares por barril até o início dos anos 70 e uma produção que mal passava de 100 mil barris diários seria fácil concluir que, nas contas na ponta do lápis, era prejuízo. Se quisermos sofisticar, era uma péssima relação custo-benefício.

 

Acontece que um país, como a vida de uma pessoa, não se administra só com um lápis atrás da orelha, mesmo que certos economistas usem hoje sofisticados programas de computador para agir da mesma forma.

 

A acumulação de conhecimento, o desenvolvimento de tecnologia, a base industrial desenvolvida pela Petrobrás foram o que nos permitiu, nos anos 70, lançarmo-nos às descobertas na plataforma continental. O preço do barril, com o primeiro choque do petróleo, multiplicara-se cinco vezes e a pesquisa e a extração marítimas passaram a ser viáveis.

 

Repetiu-se, de lá para cá, o processo de acumulação ocorrido nos 20 anos anteriores. O Brasil passou a ser líder em capacidade de exploração em águas profundas e tivemos um crescimento contínuo da produção e na identificação de reservas.

 

Este é o primeiro fato a constatar: temos uma empresa capaz de achar e tirar petróleo, seja qual for o grau de dificuldade que esta exploração tenha.

 

O segundo vem de dois acontecimentos coincidentes neste início de século 21. Os preços do petróleo explodiram e, antes da crise mundial, chegou a passar dos US$ 150 por barril. Mesmo com a recessão, já voltaram à trajetória de alta. E por aqui, a descoberta de reservas gigantes no que se chamou de camada pré-sal, localizadas entre cinco e sete mil metros de profundidade.

 

Temos, portanto, petróleo a extrair. E temos, também, uma empresa capaz de extraí-lo. O que nos falta, então?

 

Primeiro, saber quanto existe de petróleo no pré-sal. Sabemos que são dezenas de bilhões de barris, mas quantas dezenas de bilhões? O presidente da ANP, Haroldo Lima, disse ao Estadão, no dia 7 de novembro passado: “havia uma previsão de 5 a 8 bilhões de barris. Posteriormente, com a descoberta de outros campos, isso evoluiu para um mínimo de 12 e um máximo de 70 bilhões”. Seis dias depois, 13/11, o Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, disse à Reuters, em Nova Iorque, que “existe a perspectiva de que nós tenhamos no pré-sal algo entre 50 e 150 bilhões de barris de petróleo da melhor qualidade”. Vejam que precisão: passa-se de 5 a 150 bilhões de barris com a facilidade de quem coloca uma batata a mais no “um quilo, bem pesado” de um feirante.

 

Esta foi a razão que me levou a apresentar um projeto (o PL 5334) na Câmara determinando que a Petrobrás seja contratada para, imediatamente, inventariar o tamanho destas reservas. Antes disso, nenhuma concessão no pré-sal pode ser entregue por leilão. Primeiro, porque já não há nenhum risco de não se produzir ou produzir pouco na província petrolífera do pré-sal. É dinheiro mais do que certo. Depois, o pré-sal não é uma série de “cisternas” estanques de petróleo: as jazidas se comunicam e não se restringem à área concedida.

 

O projeto tem, assim, uma natureza apenas cautelar. Não entra, ainda, no aspecto de definição de como o petróleo será explorado. Porque isto, para ser feito de forma honesta, depende de quanto petróleo há e em que condições pode ser explorado. Penso que merece o apoio de todas as pessoas responsáveis, seja qual for o seu entendimento sobre a forma mais eficaz de fazer a exploração. O que buscamos é, simplesmente, salvaguardar um enorme bem nacional para que, não se aliene esta riqueza de qualquer forma, sem as informações adequadas.

 

Porque esta etapa antecede o segundo embate, em que iremos definir se apropriação desta riqueza que poderá, quem sabe, ser a redentora de nossas mazelas sociais deva ser exclusivamente nacional ou se deve ser partilhada com o “mercado” internacional. Como temos uma empresa forte e capaz como a Petrobrás, podemos fazê-lo sem abrir mão de nossa soberania. Não somos xenófobos e podemos praticar aqui joint-ventures que nos sejam adequadas. Mas não ser xenófobos não significa sermos trouxas.

 

Criar uma nova estatal para o petróleo do pré-sal é apenas criar um escritório de negociação de interesses. Quem tem o conhecimento, as sondas, a técnica para explorar este petróleo é a Petrobrás. Uma nova estatal simplesmente para conceder a sua exploração, se já temos a ANP que representa – ou deveria representar – os interesses do Estado brasileiro é, para dizer o mínimo, um pleonasmo. E – porque não? – abrir a porteira para favorecimentos, desvios e descaminhos que uma estrutura corporativa sólida como a da Petrobrás não pode fazer, não sem que isso acabe do conhecimento público.

 

Ao governo Lula, até aqui tão conformado com o “marco regulatório” com que FHC alienou não apenas as jazidas como boa parte do capital da empresa brasileira capaz de explorá-las e uma parcela maior ainda dos lucros que isso gera, lançamos uma proposta. Porque não usar o tesouro do pré-sal para restaurar não apenas de forma teórica o monopólio constitucional do petróleo que a Constituição prevê mas, fazê-lo na prática, readquirindo, com parcela destes recursos, a propriedade da empresa capaz de transformar o intangível mar de petróleo do pré-sal em valor real?

 

Tudo isso, porém exige um debate que não pode ser prisioneiro de decisões tomadas em nome da pressa. O óleo que jaz sobre o pré-sal não se desvaloriza. Ao contrário, a cada dia vale mais e mais. A pressa não é apenas inimiga da perfeição. Neste caso, quando querem levar o Brasil a decidir a toque de caixa como se retirará a maior riqueza mineral de toda a sua história, a pressa é ainda pior, porque acoberta a perda de uma riqueza que nem mesmo sabemos medir. A pressa insana, no pré-sal, é inimiga desta nação.

 

Brizola Neto é deputado federal pelo PDT-RJ e integrante da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobrás.

 

Publicado originalmente:  Jornal do Brasil - 01/07/09.

 

    

“Criar uma nova estatal para o petróleo do pré-sal é apenas criar um escritório de negociação de interesses. Quem tem o conhecimento, as sondas, a técnica para explorar este petróleo é a Petrobrás. E – porque não? – abrir a porteira para favorecimentos, desvios e descaminhos que uma estrutura corporativa sólida como a da Petrobrás não pode fazer, não sem que isso acabe do conhecimento público”.


 


Por Brizola Neto


 


Qualquer estudante de segundo grau sabe que energia é essencial ao desenvolvimento. E que o petróleo está terminando em todo o mundo. Quem o tem, tem uma riqueza tão valiosa que é alvo da cobiça que chega, às vezes, até mesmo à guerra. Nem sempre foi assim.


 


Nos anos 50, quando se criou a Petrobrás, o petróleo era barato. Encontrá-lo, diante das pequenas quantidades localizadas, era caríssimo. Alguns idealistas, como Monteiro Lobato, sacrificaram seu patrimônio com a determinação de achá-lo. Os homens “práticos”, destes que pensam com a cabeça de uma máquina de calcular, jamais teriam se lançado a pesquisar e produzir petróleo.


 


Afinal, com um preço médio de US$ 3 dólares por barril até o início dos anos 70 e uma produção que mal passava de 100 mil barris diários seria fácil concluir que, nas contas na ponta do lápis, era prejuízo. Se quisermos sofisticar, era uma péssima relação custo-benefício.


 


Acontece que um país, como a vida de uma pessoa, não se administra só com um lápis atrás da orelha, mesmo que certos economistas usem hoje sofisticados programas de computador para agir da mesma forma.


 


A acumulação de conhecimento, o desenvolvimento de tecnologia, a base industrial desenvolvida pela Petrobrás foram o que nos permitiu, nos anos 70, lançarmo-nos às descobertas na plataforma continental. O preço do barril, com o primeiro choque do petróleo, multiplicara-se cinco vezes e a pesquisa e a extração marítimas passaram a ser viáveis.


 


Repetiu-se, de lá para cá, o processo de acumulação ocorrido nos 20 anos anteriores. O Brasil passou a ser líder em capacidade de exploração em águas profundas e tivemos um crescimento contínuo da produção e na identificação de reservas.


 


Este é o primeiro fato a constatar: temos uma empresa capaz de achar e tirar petróleo, seja qual for o grau de dificuldade que esta exploração tenha.


 


O segundo vem de dois acontecimentos coincidentes neste início de século 21. Os preços do petróleo explodiram e, antes da crise mundial, chegou a passar dos US$ 150 por barril. Mesmo com a recessão, já voltaram à trajetória de alta. E por aqui, a descoberta de reservas gigantes no que se chamou de camada pré-sal, localizadas entre cinco e sete mil metros de profundidade.


 


Temos, portanto, petróleo a extrair. E temos, também, uma empresa capaz de extraí-lo. O que nos falta, então?


 


Primeiro, saber quanto existe de petróleo no pré-sal. Sabemos que são dezenas de bilhões de barris, mas quantas dezenas de bilhões? O presidente da ANP, Haroldo Lima, disse ao Estadão, no dia 7 de novembro passado: “havia uma previsão de 5 a 8 bilhões de barris. Posteriormente, com a descoberta de outros campos, isso evoluiu para um mínimo de 12 e um máximo de 70 bilhões”. Seis dias depois, 13/11, o Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, disse à Reuters, em Nova Iorque, que “existe a perspectiva de que nós tenhamos no pré-sal algo entre 50 e 150 bilhões de barris de petróleo da melhor qualidade”. Vejam que precisão: passa-se de 5 a 150 bilhões de barris com a facilidade de quem coloca uma batata a mais no “um quilo, bem pesado” de um feirante.


 


Esta foi a razão que me levou a apresentar um projeto (o PL 5334) na Câmara determinando que a Petrobrás seja contratada para, imediatamente, inventariar o tamanho destas reservas. Antes disso, nenhuma concessão no pré-sal pode ser entregue por leilão. Primeiro, porque já não há nenhum risco de não se produzir ou produzir pouco na província petrolífera do pré-sal. É dinheiro mais do que certo. Depois, o pré-sal não é uma série de “cisternas” estanques de petróleo: as jazidas se comunicam e não se restringem à área concedida.


 


O projeto tem, assim, uma natureza apenas cautelar. Não entra, ainda, no aspecto de definição de como o petróleo será explorado. Porque isto, para ser feito de forma honesta, depende de quanto petróleo há e em que condições pode ser explorado. Penso que merece o apoio de todas as pessoas responsáveis, seja qual for o seu entendimento sobre a forma mais eficaz de fazer a exploração. O que buscamos é, simplesmente, salvaguardar um enorme bem nacional para que, não se aliene esta riqueza de qualquer forma, sem as informações adequadas.


 


Porque esta etapa antecede o segundo embate, em que iremos definir se apropriação desta riqueza que poderá, quem sabe, ser a redentora de nossas mazelas sociais deva ser exclusivamente nacional ou se deve ser partilhada com o “mercado” internacional. Como temos uma empresa forte e capaz como a Petrobrás, podemos fazê-lo sem abrir mão de nossa soberania. Não somos xenófobos e podemos praticar aqui joint-ventures que nos sejam adequadas. Mas não ser xenófobos não significa sermos trouxas.


 


Criar uma nova estatal para o petróleo do pré-sal é apenas criar um escritório de negociação de interesses. Quem tem o conhecimento, as sondas, a técnica para explorar este petróleo é a Petrobrás. Uma nova estatal simplesmente para conceder a sua exploração, se já temos a ANP que representa – ou deveria representar – os interesses do Estado brasileiro é, para dizer o mínimo, um pleonasmo. E – porque não? – abrir a porteira para favorecimentos, desvios e descaminhos que uma estrutura corporativa sólida como a da Petrobrás não pode fazer, não sem que isso acabe do conhecimento público.


 


Ao governo Lula, até aqui tão conformado com o “marco regulatório” com que FHC alienou não apenas as jazidas como boa parte do capital da empresa brasileira capaz de explorá-las e uma parcela maior ainda dos lucros que isso gera, lançamos uma proposta. Porque não usar o tesouro do pré-sal para restaurar não apenas de forma teórica o monopólio constitucional do petróleo que a Constituição prevê mas, fazê-lo na prática, readquirindo, com parcela destes recursos, a propriedade da empresa capaz de transformar o intangível mar de petróleo do pré-sal em valor real?


 


Tudo isso, porém exige um debate que não pode ser prisioneiro de decisões tomadas em nome da pressa. O óleo que jaz sobre o pré-sal não se desvaloriza. Ao contrário, a cada dia vale mais e mais. A pressa não é apenas inimiga da perfeição. Neste caso, quando querem levar o Brasil a decidir a toque de caixa como se retirará a maior riqueza mineral de toda a sua história, a pressa é ainda pior, porque acoberta a perda de uma riqueza que nem mesmo sabemos medir. A pressa insana, no pré-sal, é inimiga desta nação.


 


Brizola Neto é deputado federal pelo PDT-RJ e integrante da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobrás.


 


Publicado originalmente:  Jornal do Brasil – 01/07/09.