A opção da Vale


Por Assis do Couto e Márcia Raquel
05/02/2019

A estrada para chegar a Brumadinho, para quem vem de Belo Horizonte, vai costeando o Paraopeba. Ao avistar o rio, às margens da rodovia, a parada é automática. O que antes era um ponto de contemplação do rio e de bate-papo com os amigos, virou um ponto de lamentação.

“Esse rio não era dessa cor não, esse rio era clarinho. Acabou tudo os peixe, morreram tudo”, comentou, com os olhos marejados, seu Elias, que ainda não teve coragem de ver de perto o estrago causado pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão.

Nem de longe é possível imaginar a dor de quem perdeu familiares, amigos, colegas ou mesmo conhecidos na tragédia de Brumadinho. Mas ao visitar a região, nove dias após o rompimento da barragem que casou a morte, até o momento, de 134 pessoas – 199 ainda estão desaparecidos – e de um incontável número de outras vidas, o que se vê é a desolação total. A
cidade, atônita, aos poucos se dá conta que, como bem resumiu o seu Elias, “A Vale é tudo para Brumadinho, mas as pessoas não são nada para a Vale”.

Ao conversar com moradores, ao andar pela cidade, observar as placas e propagandas, a primeira coisa que se percebe é a importância da Vale para a região.

Assis do Couto conversa com moradores de Brumadinho:
“A Vale é tudo para Brumadinho, mas as pessoas não são nada para a Vale”, lamenta seu Elias

“Brumadinho só existe por causa da Vale, os quatro times de futebol daqui é ela que financia, dá camisa, transporte, a Vale é tudo aqui. Foi uma tragédia, mas é a Vale que sustenta tudo aqui”, comentou um morador ao mostrar o estrago causado pela avalanche de lama que invadiu parte da propriedade da família.

“Quase todo mundo que morreu era daqui, ou veio de Belo Horizonte para trabalhar na Vale e morava aqui, então tinha muitos conhecidos”, disse o funcionário de um posto de combustível que serve como base e ponto de encontro para voluntários. A questão que se levanta é clara: como é que uma empresa que “sustenta” um município, não se preocupa com a segurança dos moradores e, mais ainda, dos funcionários?

Depois de tudo o que já foi divulgado sobre os riscos e danos que seriam causados com o possível rompimento da barragem, nada justifica o que aconteceu. Principalmente se levarmos em consideração que o custo para o descomissionamento das 10 barragens a montante que a Vale ainda possui é o equivalente ao lucro de um trimestre da companhia. A Vale, sabendo de tudo isso, fez uma opção. A opção pelo lucro em detrimento da vida.

Esta é a opção do capital privado. E o governo, quando privatizou a Vale do Rio Doce em 1997, sabia exatamente qual era a prioridade da Companhia a partir daquele momento. Mas a questão não se resume à opção pelo lucro em detrimento de vidas. O encolhimento do Estado, tão propagado no debate atual, como a solução de todos os problemas, implica em uma
redução ainda maior na fiscalização dos atos da iniciativa privada. Hoje, a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela fiscalização das barragens de mineração, possui apenas 35 funcionários capacitados para inspecionar 205 barragens (50 da Vale).

E o mais dolorido é que não dá nem para dizer que o rompimento da barragem I da Mina do Córrego do Feijão foi inesperado. Foi uma tragédia anunciada há três anos, com o rompimento da barragem do Fundão – controlada pela Samarco Mineração S.A., um empreendimento
conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton, que matou 19 pessoas e causou o maior desastre ambiental da história do Brasil e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeito de minério.

Mas há quem ainda tente amenizar o crime da Vale. “Se você compra uma casa, você reforma e melhora nela o que tem que melhorar né, você não tira ela do lugar”, argumentou um outro morador ao se referir ao setor administrativo que foi engolido pela lama. Diante de tal argumento, só há uma resposta: se colocar em risco uma vida, é preciso mudar de lugar sim.

Pessoas chegando de todos os lados do Brasil e também do exterior, dão a dimensão do tamanho da rede de solidariedade que uma tragédia dessa magnitude é capaz de formar.

“Do que vocês estão precisando, porque a gente precisa ajudar de alguma forma”, disse uma voluntária ao rapaz que mostrava onde ficava a horta que seu pai cultivava, agora soterrada pela lama.

O letreiro da cidade é local de homenagem, mas também de protestos. Flores, camisas, fotos, velas e centenas de folhas de papel com os nomes as vítimas foram espalhadas no local. Já as bandeiras do Brasil, do estado de Minas Gerais e do município de Brumadinho escondem o desabafo: “Vale assassina”.

*Assis do Couto é ex-deputado federal pelo PDT. Com raízes no campo, o pedetista tem como bandeira o fortalecimento da agricultura familiar no País. Foi titular da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, e da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.