40 anos sem João Goulart e o país na mesma roda-vida de 1964


Wellington Penalva

O Brasil deu adeus ao seu último presidente trabalhista no dia 6 de dezembro de 1976. Há quatro décadas, João Goulart – ou Jango, como era carinhosamente conhecido – morreu no exílio, doze anos após ser deposto pelo golpe militar de 1964. A vontade de tornar o país socialmente mais justo lhe custou o governo, mas as conquistas do trabalhismo janguista, ainda hoje, são usufruídas pela Nação.

João Goulart enfrentou uma crise política e econômica semelhante a que se instalou no país nos últimos anos. As instituições da República estavam enfraquecidas, a extrema direita ganhava força em todo o mundo e a pseudo moralização da política era pretexto para revogar a vontade popular. Certamente a gravidade da situação era maior à época, mas a trilha que levou o Brasil a quase 30 anos de ditadura parece estar sendo percorrida outra vez.

Quando tenta-se criminalizar o ensino crítico da ditadura militar sob a égide canhestra da “Escola sem Partido”, nada mais pode surgir se não mais uma volta na roda do ciclo vicioso da história brasileira, em que períodos democráticos sucumbem a golpes a cada geração. A adesão de jovens a movimentos pró-intervenção militar, o irracional e anacrônico ódio ao comunismo e a idolatria ao autoritarismo dos Bolsonaro são subprodutos de jovens que muito pouco sabem sobre o que lutou e o que viveu João Goulart.

Sem conhecer a história, o Brasil sucumbiu mais uma vez à vontade da elite econômica, que na atual crise não topou pagar a conta do excesso de voluntarismo do Estado para com esta mesma elite. Se o governo da presidenta Dilma não estava disposto a cortar direitos trabalhistas conquistados há mais de quarenta anos por Getúlio Vargas e por Jango; nem tampouco reduzir o orçamento social, um golpe parlamentar empossou alguém que o fizesse.

Pelo script da história, era esperado que, assim como revogaram a nacionalização das refinarias de petróleo em 1964, agora entregassem o pré-sal às petroleiras estrangeiras. Assim como os coronéis demitiram 40 mil funcionários públicos, agora outros milhares perdem suas posições no fechamento de agências do Banco do Brasil em todo o país, além da venda de ativos da Petrobrás, que gera muito desemprego direta e indiretamente.

Mais uma vez, a elite brasileira põe a recuperação econômica na conta do pobre, do trabalhador, do assalariado. Lembrar os 40 anos de morte do presidente Jango é rogar uma reflexão ao povo que carrega o Brasil nos braços: até quando aceitará ser massacrado em nome um projeto de nação que não o contempla?

Trajetória política de João Goulart

Nascido em São Borja, conterrâneo da família Vargas, Jango deixou a cidade natal para dar seguimento aos estudos. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ingressou na política a convite do presidente da República, o amigo Getúlio, em 1945.

Já tomado pelo ideário trabalhista e convencido do sucesso do Governo Vargas que transformou um país agrícola em industrial, Jango se torna uma grande liderança do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 1947 é eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Sul e, em 1950, alcança o posto de Deputado Federal.

No ano de 1953, em meio à crise que culminou no suicídio do presidente Vargas, Jango é convidado pelo chefe da nação para assumir o Ministério do Trabalho. Daí em diante, torna-se alvo da oposição golpista que tentava chegar ao poder. Irredutível em sua luta, o trabalhista aumentou em 100% o salário mínimo e atuou incisivamente na defesa do trabalhador e do povo pobre do Brasil.

Jango é eleito vice-presidência da República nas eleições 1955 – época em que se votava distintamente para presidente e para vice – obtendo meio milhão de votos a mais do que o presidente Juscelino Kubitschek. Em 1960 foi reeleito, dessa vez ao lado de Jânio Quadros que renunciou no primeiro ano de mandato.

A via crucis de João Goulart começou em 1961. No dia em que Jânio deixou o poder, Jango estava em missão na China. Quanto tentou retornar ao país, foi impedido pelos ministros militares e pela oposição, que inconstitucionalmente não o admitiam como presidente. Seguiu, então, para o Uruguai onde esperou uma solução.

No Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola empunhou a bandeira da legalidade e ofereceu resistência ao golpe. Estavam prontos e armados para defender a posse do presidente constitucional, mas uma decisão conciliatória garantiria a chegada de Jango ao Planalto, rechaçando a possibilidade de guerra civil. Sob a condição de um parlamentarismo instantâneo instaurado no Brasil, João Goulart assume a presidência.

O cenário era de crise política e econômica e o presidente propôs a Reforma de Base para reconduzir o país ao crescimento. A proposta contemplava, principalmente, a classe pobre. Para o presidente, a redução da desigualdade social faria do Brasil uma grande potência. O Congresso foi contra e o projeto não foi adiante.

Mesmo assim, o governo de João Goulart foi marcado pela valorização do trabalhador e pela defesa da soberania nacional. Regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural, 13° salário, fortalecimento da indústria brasileira e criação da Eletrobrás são algumas das marcas do seu governo interrompido. O nacionalismo janguista incomodava a caserna e a elite do país.

Em meio a guerra-fria, qualquer atitude social era tomada por comunismo. O extremismo impedia o bom senso e os oportunistas se valiam dessa realidade. Jango foi rotulado comunista pela extrema direita do país que, em parceria com os EUA, passou a articular o golpe de estado. Seu destino estava selado.

João Goulart tentou. Procurou apoio popular – e obteve – no Comício da Central, onde reuniu mais de 200 mil pessoas. No evento, ficou claro que o povo estava com Jango para a implantação das Reformas de Base. O governo contava com mais de 70% de aprovação naquele momento e a “luz vermelha” ascendeu para os conspiradores.

Pouco mais de duas semanas após o comício, na madrugada do dia 1° de abril de 1964, os militares tomaram as ruas. João Goulart foi impedido de ir ao Planalto, como em 1961. Dessa vez, o Congresso não tomaria atitude conciliatória. Em lugar disso, avalizou o golpe militar declarando a vacância da presidência, com o presidente em território nacional, a revelia da constituição.

Brizola ofereceu apoio a Jango para uma reação, mas o presidente preferiu poupar a nação brasileira do iminente “banho de sangue” e buscou asilo político do Uruguai. No dia 4 de abril de 1964, João Goulart deixa o Brasil para nunca mais voltar, tornando-se o único presidente brasileiro a morrer no exílio.

A deposição e o exílio não foram o bastante para os perseguidores da esquerda sul-americana. João Goulart foi vigiado e perseguido durante todo o tempo em que esteve fora do país. Deixou o Uruguai e rumou para a Argentina com medo de ser executado pelos regimes ditatoriais.

O último presidente trabalhista morreu no dia 6 de dezembro de 1976, de ataque cardíaco, na província de Corrientes, na Argentina, de acordo com a versão oficial. Entretanto, a falta de clareza nas circunstâncias da sua morte levanta a hipótese de homicídio, já que o presidente constava na lista de “investigados” da espúria Operação Condor – operação secreta que executava líderes de esquerda no cone sul da América. Até hoje, nada foi concluído.