‘The New York Times’ critica afastamento de Dilma da presidência


OM - O Globo

Em editorial publicado na última quinta-feira (12/5), o jornal  “The New York Times” analisa o afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff e chama a atenção para o “preço desproporcionalmente grande por irregularidades administrativas” que ela deve pagar, já que as pedaladas fiscais foram cometidas por outros governantes sem que nunca fossem consideradas crime.

A publicação, que no texto defende novas eleições caso o impeachment se concretize, questiona as reais motivações para o processo uma vez que “muitos dos políticos que estão orquestrando sua deposição foram atrelados a um grande esquema de propina e outros escândalos”.

Citando nominalmente o presidente interino Michel Temer e o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o ‘NYT’ sublinha as acusações que pesam contra os dois. O artigo lembra ainda que o companheiro de chapa de Dilma pode vir a se tornar inelegível por oito anos caso o Tribunal Superior Eleitoral ateste que houve financiamento irregular de sua campanha, e que Cunha, um dos parlamentares mais empenhados na deposição de Dilma, é réu em processo de corrupção, motivo que levou o Supremo Tribunal Federal a afastá-lo de seu mandato no Congresso Nacional.

 Com isso, levanta a ideia de que “os líderes brasileiros podem achar mais fácil removê-la para retomar a política de pagamento de propinas. Isso seria indefensável”.

Por tais argumentos, afirma que “esta crise política está a minar a fé na saúde na jovem democracia” do Brasil e que o surto de Zika às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos piora o quadro de incertezas. Assim, as novas eleições seriam a melhor solução, sugerindo que Congresso Nacional poderia garantir tal desfecho. “Eles (os detratores de Dilma) podem se dar conta em breve que grande parte da ira da população focada na presidente será redirecionada a eles”, finaliza o texto assinado pelo conselho editorial do jornal.

 

Leia a íntegra do Editorial:

“Horas após os senadores terem votado esmagadoramente a admissibilidade do impeachment, a presidente Dilma Rousseff denunciou o processo em curso como uma tentativa de um golpe.

“Eu posso ter cometido erros, mas eu nunca cometi crimes”, disse Dilma.

Isso é discutível, mas Dilma tem todo o direito de questionar os motivos e autoridade moral dos políticos que buscam derrubá-la. A presidente brasileira, que foi reeleita em 2014 para um mandato de quatro anos, tem sido uma política ruim e uma líder decepcionante. Mas não existe nenhuma evidência de que ela abusou de seu poder para obter ganhos pessoais, enquanto que muitos dos políticos que estão orquestrando sua deposição foram atrelados a um grande esquema de propina e outros escândalos.

O Supremo Tribunal Federal determinou na semana passada que Eduardo Cunha, o parlamentar veterano que empenhou esforços para remover Rousseff do poder, deixe o cargo para ser julgado pelas acusações de corrupção que lhe pesam. O vice-presidente Michel Temer, que assumiu o comando do país na quinta-feira, pode se tornar inelegível para concorrer a um cargo eletivo por oito anos já que as autoridades eleitorais disciplinares o investigam por violar os limites de financiamento de campanhas.

Dilma é acusada de usar dinheiro dos bancos nacionais para encobrir déficits orçamentários, uma tática que outros líderes brasileiros utilizaram no passado, sem que eles tenham sofrido o mesmo escrutínio. Muitos suspeitam, no entanto, que o esforço para remover Dilma tem mais a ver com sua decisão de permitir que procuradores sigam adiante na investigação do esquema de corrupção na Petrobras. O escândalo manchou mais de 40 políticos, inclusive altos líderes do Partido dos Trabalhadores de Dilma.

Se o Senado sentenciar Dilma por má conduta financeira – o que é provável, já que 55 dos 81 senadores votaram para seguir com o seu julgamento – os líderes brasileiros podem achar mais fácil removê-la para retomar a política de pagamento de propinas. Isso seria indefensável.

O Brasil está se recuperando da sua pior recessão econômica desde 1930, e agora esta crise política está a minar a fé na saúde na sua jovem democracia. Para piorar esses problemas, o governo está envolto no surto do vírus Zika pouco antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.

As recentes investigações de corrupção, que expuseram a elite governante podre do país, acendeu a indignação dos brasileiros. Se o mandato de Dilma for interrompido, os brasileiros devem ser autorizados a eleger um novo líder prontamente. Uma nova eleição poderia ser realizada em breve, se um tribunal eleitoral, que vem investigando as acusações de que o dinheiro do escândalo Petrobras financiou a campanha de Dilma em 2014, invalidar sua vitória nas urnas. Outra alternativa seria o Congresso aprovar a chamada de uma eleição antecipada.

Ainda que Dilma não tenha conseguido conduzir o país de forma eficaz, os senadores que hoje saboreiam a sua saída devem se lembrar de que a presidente foi eleita duas vezes pelo povo. O Partido dos Trabalhadores ainda tem apoio considerável, particularmente entre as milhões de pessoas que foram puxadas para fora da pobreza ao longo das últimas duas décadas.

A confiança em Dilma e no seu partido pode ter caído consideravelmente nos últimos meses. Mas Dilma está a pagar um preço desproporcionalmente grande por irregularidades administrativas enquanto vários de seus detratores mais ardentes são acusados de crimes mais escandalosos. Eles podem se dar conta em breve que grande parte da ira da população focada na presidente será redirecionada a eles”.