Subserviência ou soberania, o que o Brasil prefere?


Wellington Penalva
30/10/2019

Resposta de Jango à Kennedy, em 1962, expressa a soberania hoje esquecida pelo nacional-charlatanismo do governo Bolsonaro

“Quem muito abaixa mostra o rabo”, costumam dizer os mais velhos. O grosseiro dito popular é bem ilustrado pela atual política externa do Brasil. Em busca de migalhas, como a entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Bolsonaro faz a nação sentir o ventinho gelado – soprado do norte do continente – em seu traseiro. “Dá vergonha de ser brasileiro”, andam dizendo por aí. Nesse momento, se apegar à história pode aliviar o vexame nacional.

Há 57 anos, João Goulart, então presidente do Brasil, atuava com postura e respeito ao seu povo frente aos interesses norte-americanos. Jango negava expressamente a intimação do seu colega norte-americano, John F. Kennedy, a entrar em conflito com Cuba por ocasião da crises dos mísseis, em plena Guerra-fria.

Exasperado com a entrada do armamento soviético em território cubano, Kennedy enviou uma carta ao presidente brasileiro pedindo apoio para uma intervenção militar no país comunista americano. O texto, mais que um pedido, parecia uma exigência com toque de chantagem cívica, ou até cínica, afinal, apelava para um sentimento nacionalista incoerente à realidade brasileira.

“Espero que, nestas circunstâncias, Vossa Excelência sentirá que o seu país deseja unir-se ao nosso, expressando os seus sentimentos ultrajados frente a este comportamento cubano e soviético, e que Vossa Excelência achará por bem expressar publicamente os sentimentos do seu povo […] Quero convidar Vossa Excelência para que as suas autoridades militares possam conversar com os meus militares sobre a possibilidade de participação em alguma base apropriada com os EUA e outras forças do hemisfério em qualquer ação militar que se torne necessária pelo desenvolvimento da situação em Cuba”, pressionava Kennedy.

Jango sabia para quem governava. Uniu o espírito popular à polidez protocolar de um chefe de Estado – artigo hoje em desuso por aqui – e teceu resposta à altura da cultura e dos interesses brasileiros. Sem medo de represália, posicionou o Brasil na neutralidade conciliatória já arraigada na condução da política internacional do País. Uma lição de moral frente à atual gestão do Executivo; um bom motivo para encobrir a vergonha imposta pelo pseudo-nacionalismo bolsonarista.

“A defesa da autodeterminação dos povos, em sua máxima amplitude, tornou-se o ponto crucial da política externa do Brasil […] É, pois, compreensível que desagrade profundamente à consciência do povo brasileiro qualquer forma de intervenção num estado americano inspirada na alegação de incompatibilidade com seu regime político, para lhe impor a prática do sistema representativo por meios coercitivos externos, que lhe tiram o cunho democrático e validade”, respondia Goulart.

Enquanto Trump encontra caminho livre para soprar a retaguarda brasileira – aumento da cota de importação do trigo (750 mil toneladas anuais à tarifa zero); e isenção de 20% de impostos na importação do etanol americano, Kennedy recebia embasada negativa bélica de João Goulart no caso dos mísseis em Cuba.

É importante atentar que Bolsonaro pleiteia uma vaga na OCDE e, para isso, até bate continência para o seu homólogo estadunidense, à revelia da vontade nacional. Jango, por sua vez, se viu pressionado a posicionar-se entre as duas maiores potência mundiais em plena Guerra-fria e, mesmo assim, atendeu aos interesses do povo. De todo jeito, até 2022, o brasileiro tem tempo suficiente para analisar que governo deseja: o subserviente ou o soberano.

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