Quando o salário mínimo valia 500 dólares…

Foto: Arquivo/CPDOC - Fundação Getúlio Vargas

Getúlio Vargas assina o decreto que institui o salário mínimo (Arquivo/CPDOC - Fundação Getúlio Vargas)


Por José Augusto Ribeiro
01/05/2020

As brutais realidades deste 2020 – no Brasil, o Bolsonaro; no mundo, o coronavírus – não permitiram ao País, até agora, perceber que poderia estar comemorando os noventa anos da Revolução de 30 e os 80 anos, neste 1º de maio, da decretação de seu primeiro salário mínimo.

O primeiro salário mínimo foi decretado no 1º de maio de 1940, embora já tivesse figurado na plataforma da Aliança Liberal, o programa de governo anunciado por Getúlio Vargas, no início de sua campanha de candidato oposicionista à Presidência da República, em janeiro de 1930.

A fraude na eleição disputada por Getúlio, para a escolha do sucessor do Presidente Washington Luís – que considerava a questão social caso de polícia – resultou, junto com outros motivos, na Revolução de 30 e na investidura do governo provisório de Getúlio. Em apenas três semanas Getúlio criou o Ministério do Trabalho e logo decretou suas primeiras leis trabalhistas. Mas o salário mínimo demorou ainda dez anos, travado de um lado por acontecimentos como a falsa revolução falsamente constitucionalista de 1932 e como o levante comunista de 1935, e de outro lado pela Constituinte de 1933 e 1934 e pelo Congresso eleito em 1935, que adotaram, para o salário mínimo, critérios aos quais o Ministério do Trabalho teve de adaptar os estudos em andamento.

Além disso, o salário mínimo era também para usar a linguagem de hoje, uma espécie de upgrade de toda a legislação trabalhista. Sem ele, de pouco valeria o trabalhador ter sua carteira profissional assinada e anotada e seu sindicato em condições de lutar por ele. O salário-mínimo impunha um efeito cascata e todos os salários ficavam de certo modo indexados a ele. Foi necessário, portanto, conseguir antes a absorção das leis trabalhistas anteriores.

As primeiras tabelas de salário mínimo variavam de região para região, porque os níveis do custo de vida tinham grandes diferenças conforme se tratasse de cidades grandes, como o Rio de Janeiro ou São Paulo, ou cidades pequenas em que, por exemplo, os aluguéis eram muito mais baratos. Decretadas em 1940, essas tabelas foram reajustadas por Getúlio em 1943, devido à alta de preços provocada pela Segunda Guerra Mundial.

Com a derrubada de Getúlio em 1945, o salário-mínimo de 1943 foi congelado e mantido no mesmo patamar ao longo dos cinco anos de mandato do presidente Eurico Gaspar Dutra, de 31 de janeiro de 1946 a 31 de janeiro de 1951, apesar de uma alta no custo de vida que pode ter chegado a 40% nesse período.

Getúlio voltou ao governo em 1951, cercado por ameaças golpistas de todo lado, mas teve condições, na virada de 51 para 52, de reajustar o mínimo e corrigir as perdas provocadas pelo congelamento que Dutra impusera (inclusive intervindo em metade dos sindicatos então existentes).

Foi em 1954 que Getúlio causou o maior impacto em matéria de salário-mínimo, reajustando-o em 100%. Esse novo mínimo, confirmado pelo Supremo, começaria a ser pago nos primeiros dias de agosto, quando foi deflagrada a crise que tentou derrubar Getúlio. Ele respondeu com o gesto heroico do suicídio, que preservou todas as conquistas de seus dois governos, da legislação trabalhista à Petrobras e salvou até o novo mínimo, no qual o novo governo, chefiado pelo vice Café Filho, não teve coragem de mexer.

Apesar da crise, e da previsão dos adversários de Getúlio de que o novo mínimo afundaria a economia brasileira, o que aconteceu foi que a economia industrial do Brasil cresceu 12% em 1954, porque Getúlio expandira exponencialmente nosso mercado interno.

Com Getúlio, o Brasil era a economia que mais crescia no mundo e, graças a isso – e ao reajuste de 100% em 1954 –, o salário mínimo brasileiro chagou a valer 500 dólares no governo do presidente Juscelino Kubitschek, eleito em 1955.

Hoje, quanto vale nosso salário mínimo de pouco mais de mil reais? Com o dólar a mais de cinco, ele vale, na melhor das hipóteses, por volta de 200 dólares e não vai passar disso enquanto Bolsonaro e seus neoliberais continuarem no governo.

 

*José Augusto Ribeiro é escritor e Jornalista,  formado pela Faculdade de Direito na Universidade do Paraná. Foi editor político do jornal O Estado do Paraná, onde atuou em defesa da Campanha da legalidade , em 1961, pela posse do presidente João Goulart. Foi assessor do editor internacional do Diário Carioca, redator da revista O Cruzeiro, subeditor internacional do Jornal do Brasil, editor internacional da Última Hora, editor de pauta do Jornal do Brasil, diretor de redação do Correio da Manhã, editor chefe de O Globo, comentarista político e chefe de redação da Rede Bandeirantes de Televisão. Foi assessor de imprensa de Tancredo Neves, de Leonel Brizola e escreveu os livros: “De Tiradentes à Tancredo Neves – Uma História das Constituições Brasileiras” e “A Era Vargas” e “Jânio Quadros – O Romance da Renúncia” e “Tancredo Neves: A Noite do Destino”.