O Petróleo ainda é nosso! III: Desmonte


Por Ester Marques e Wellington Penalva
16/08/2019

Desde que foi descoberto, o petróleo e seu mercado são objetos de cobiça mundial. Como vimos no artigo “Soberania” – o segundo desta série, publicado na semana passada –, o mineral é um recurso estratégico para as nações e pode ser determinante no jogo da geopolítica. Em vista de tal importância, é no mínimo perigoso que um Estado delegue o controle de suas atividades petrolíferas à iniciativa privada (muitas vezes internacional).

No caso da Petrobrás, esse foi o entendimento trabalhista quando Getúlio Vargas criou a estatal. Por outro lado, o liberalismo e seus agentes sempre desconsideraram a importância estratégica do petróleo, militando contra a empresa brasileira. Nesse grupo, inclui-se a grande imprensa, liderada no passado pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e hoje pela Rede Globo, da família Marinho.

Em 1953, durante os debates em torno da fundação da Petrobrás, o senador Ezechias da Rocha (PR) foi à tribuna desacreditar o projeto do Executivo. “A tese estatal-monopolística levanta muralhas chinesas ao progresso do país e fecha a sete chaves as portas do subsolo à iniciativa particular”, disse ao parlamento. Errou feio: a empresa nacional chegou a ser a 4ª maior do mundo no setor e, em 2009, deu autonomia energética ao Brasil.

O nacionalismo venceu e ditou o desenvolvimento da petrolífera brasileira até a década de 1990. Quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a Presidência da República, seu governo abriu as portas para o desmonte da estatal. Ele “alterou o capítulo 5 da Ordem Econômica […]. Com isso, abriu o subsolo para empresas estrangeiras e as incluiu como aptas a tomar empréstimos do BNDES para comprar empresas nacionais […] e quebrou o monopólio da União sobre o petróleo”, afirmou Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), em artigo enviado ao Centro de Memória Trabalhista (CMT).

Em 1997, o Congresso aprovou a Lei 9478, transferindo a posse do petróleo da União para as empresas exploradoras. Enquanto países produtores ficam com mais de 80% do minério produzido em seus territórios, o Brasil passou a aceitar a cota de 30% a 40% em impostos e royalties. Daí em diante, a investida desnacionalizadora progrediu de forma perigosa: 36% dos ativos da Petrobrás foram negociados pelo montante de US$ 5 bilhões, quando, de acordo com a Aepet, valiam pelo menos 20 vezes mais.

Na última década, o vilipêndio liberal se avolumou ainda mais na Petrobrás. O esquema de corrupção montado na empresa e investigado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, acabou servindo de pretexto desagregador. A imprensa reforçou e ecoou esse discurso sistematicamente. No artigo “O uso ideológico de metáforas multimodais pelo Jornal Nacional em matérias sobre a Petrobrás”, Teofilo Roberto Silva, da Universidade do Federal do Ceará (UFC), conclui que “O discurso do JN busca pavimentar o caminho para a privatização da estatal”.

A grande imprensa alardeia que a Petrobrás possui uma dívida impagável e usa a imagem da Lava-Jato para criar comoção na opinião pública. O fato é que o valor desviado da empresa corresponde a menos de 2% da dívida atual, computada em R$ 372,2 bilhões, segundo a própria estatal. E de onde vem tamanho débito? De empréstimos para investimentos na exploração do pré-sal, descoberto em 2006. De acordo com Cláudio Oliveira, aposentado da Petrobrás, e Felipe Coutinho, presidente da Aepet, “a indústria do petróleo se caracteriza por projetos de longa maturação e o investimento leva cerca de 10 anos para começar a gerar caixa”.

Com o golpe de 2016, aliado ao discurso entreguista e inverídico, o governo de Michel Temer (MDB) retomou o processo de desestatização da companhia. Do campo de Carcará, um dos melhores do pré-sal, com reserva estimada em 3 bilhões de barris, 66% foi vendido. A essa negociata, somam-se muita outras, tendo como resultado a perda de ativos operacionais, ou seja, da capacidade da estatal de gerar lucro.

Um exemplo interessante é a privatização da BR Distribuidora, realizada em duas etapas: a primeira em 2017 e a segunda em julho desse ano. Foram vendidas 59% das ações da subsidiária, totalizando a arrecadação de R$ 13,6 bilhões. Só em 2018, a receita líquida da empresa ficou em R$ 97,77 bilhões, 7 vezes mais do que o gerado pela venda de seus ativos.

De acordo com a Aepet, “a venda de ativos [da Petrobrás] respondeu por 25,65% da redução da dívida líquida, entre 2015 e 2019”. Já a maior parte da quitação, 74,35%,se deve à geração operacional de caixa da estatal. Nesses termos, é evidente que privatizar é um péssimo negócio para o país. Na prática, significa abrir mão de vultoso retorno financeiro (lucro) em troca de uns trocados insustentáveis – o valor arrecadado com ativos não gera dividendos.

A Petrobrás permanece sendo uma grande estatal: umas das maiores do mundo e a maior da América Latina. Com a produção do pré-sal prevista em até 270 bilhões de barris, segundo a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sua importância e rentabilidade serão potencializadas. Contudo, continua ameaçada pelos desgovernos que o país vem sofrendo. Cabe à sociedade civil organizada e a cada cidadão brasileiro cobrar o que lhe é de direito, a fim de evitar a perda do seu maior bem gerador de riqueza, poder e desenvolvimento. É o que o PDT tem feito desde sempre.

Continua…