O Irã é um povo de paz

O filme iraniano 'A Separação', de Asghar Farhadi, ganhou, no domingo , dia 14 de janeiro (2012)   o Globo de Ouro de melhor filme de fala não inglesa. O Diretor, muito celebrado nos Estados Unidos, onde se realizou  a escolha , cauteloso, em todas as suas entrevistas, tem apenas reiterado : O Irã é um povo de paz.

Tem razão Farhadi em insistir neste ponto realçando que o Irã tem um povo e que este povo quer a paz. Seu país tem sido visto no Ocidente apenas como o país dos Ayatolás radicais que impuseram, em 1979, a Lei Islâmica e que, supostamente, agora, estariam tentando construir a bomba atômica. Os Estados Unidos, umbilicalmente aliados de Israel, arqui-inimigo dos muçulmanos, por causa da questão com os palestinos, não aceitam a rebeldia iraniana e ameaçam atacar militarmente o Irã. A situação vem se deteriorando há tempo e já há quem diga que a guerra é inevitável.

“A situação no Oriente Médio aproxima-se rapidamente do ponto crítico e o início do conflito já aparece nas cartas. Isso, em resumo, foi o que disse Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia (e ex-diretor do FSB, a organização que sucedeu a KGB) em entrevista à imprensa russa.”

(http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2012/01/13/russia-sees-middle-east-drifting-to-war/)

 Para a autoridade russa, é Israel que está empurrando os Estados Unidos para a guerra, embora ressalte que este país não tolera perder o controle sobre o mundo inteiro , destacando as manobras na tentativa de aumentar seu controle na Ásia. O ataque deverá começar pela Síria, através do turcos. Uma das razões, aliás, da ofensiva atual contra o Presidente da Síria é o fato de ele recusar-se a acompanhar o Ocidente contra o Irã. Tal como ocorreu na Líbia, a OTAN será acionada para assegurar uma área de exclusão militar na Síria e daí atingir o Irã.

Do ponto de vista militar, o estopim da crise poderia ser a alegada ocupação pelo Irá do estreito de Ormuz, por onde passa grande parte do petróleo destinado ao Ocidente. O Irã poderia, até, pela dificuldade de manobras de grandes porta-aviões americanos na área, principais projeções do poder bélico deste país no planeta, controlar o Estreito por algum tempo, impondo algumas derrotas à marinha americana.  A opinião é de Mahdi Darius Nazemroaya, Global Research, no recente artigo “Geopolítica do Estreito de Ormuz :Marinha dos EUA pode ser derrotada pelo Irã no Golfo Persa?” :

Não há qualquer dúvida entre os especialistas de que o formidável poder naval dos EUA resulta muito reduzido, pela geografia e pelas capacidades militares nos iranianos, no caso de combate no Golfo Persa e, de fato, em grandes partes também do Golfo de Omã. Longe de águas abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA teriam de combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância (considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais dos EUA, concebidos para combates navais em águas abertas e grandes distâncias entre os combatentes, são absolutamente imprestáveis, nas condições de combate no Golfo Persa.

(http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/01/geopolitica-do-estreito-de-ormuz.html[NTs]. )

Alguém já disse que a guerra é como a fama, ou um grande acidente. Nunca vem de uma hora para outra, por uma única causa.  No Irã, há tempos as palavras já foram gastas no esforço diplomático e , pelo menos, desde 2002, já desbordaram para as preliminares bélicas. Mas os americanos sabem, desde esta data, quando deflagraram a “Operação Millenium”,  que não será fácil dominar o Irã:

Depois de terminada a operação Millennium Challenge 2002, a operação foi oficialmente apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. De fato, sempre se tratou do Irã. [5] Os EUA já tinham as avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e Grã-Bretanha, que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque jamais teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos EUA.

 “A Operação Millennium Challenge 2002 foi, sim, simulação de guerra contra o Irã (na simulação chamado de “Red” [Vermelho] e apresentado como estado “bandido” [orig. rogue] do Oriente Médio no Golfo Persa). Só o Irã tem todas as características de território e forças militares apresentadas como de “Red” – dos botes-patrulha armados com mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela simulação monstro foi feita porque Washington planejava atacar o Irã imediatamente depois de invadir o Iraque em 2003.”

(cit.acima)

Mas se o discreto apelo à paz de Asghar Farhadi faz sentido, ele deve ser lido também nas entrelinhas. JorgeLuis Borges sempre nos ensinou que as entrelinhas falam mais do que o texto escrito. E Robert Kennedy, em sua notável interpretação do irado telegrama de Kruschev, na Crise dos Mísseis, em 1961, também interpretou nas suas entrelinhas  um paradoxal apelo à paz. Disse ele, na Casa Branca, ao lado do irmão Presidente,  quase nos últimos minutos da iminente declaração da Guerra Nuclear que poderia nos ter reduzido a pó: “Mas ele não falou em guerra. Este telegrama é para o público interno dele, não para nós...” . Fez-se a paz... O Diretor de “Separação” não fala nas autoridades de seu país. Nem que elas são pacíficas.  Fala que o povo iraniano é de paz. Brilhante!

Os governos são passageiros, uma nação é eterna. Jamais devemos confundir o Governo com os seus respectivos povos. 

Os ocidentais confundem muito o Irã com os árabes, em razão da confissão muçulmana na região. Historicamente, porém, os iranianos se constituem como um povo de tradições muito mais profundas na História. Descendem eles dos persas que construíram na Antiguidade um dos impérios mais duradouros na região. Importante lembrar que quando Alexandre, o Grande desatou de só um golpe de espada o famoso Nó Górdio, que miticamente representava uma  barreira à ocupação da Pérsia, ele promoveu, por vários meios, inclusive pelo seu casamento com a filha de um chefe tribal, a helenização  daquele império. Depois de Alexandre, a Pérsia nunca mais foi a mesma... Em contraposição, séculos mais tarde, os herdeiros dos gregos no Mediterrâneo, os romanos, jamais conseguiram helenizar o povo hebreu, do qual descendem os árabes. A resistência hebréia talvez tenha pesado na própria condenação de Cristo, no ano 33. E, pouco tempo depois, na rebelião dos anos 60, os romanos desataram a mais cruel repressão aos hebreus, chegando a destruir seu famoso templo, cujo única parede ainda está lá de pé, testemunhando o “Choque de Civilizações”daquela época.

A Pérsia, o Irã, é outra coisa. Não é o mundo árabe, igualmente respeitável. Aliás, só em 1935 tomou o nome Irã, sendo, até aquela data denominado Pérsia.

Um insuspeito jornalista americano, Stephen Kinzer, vem tentando explicar isto há muito tempo em várias reportagens, entrevistas e um livro : “Os Homens do Xá – O Golpe no Irã e as Origens do Terrorismo no Oriente Médio”:

“A história iraniana foi sendo construída   em torno de um conjunto de características muito próprias, de importância fundamental para assegurar a individualidade do Irão na região em que se insere. A sua evolução tem sido marcada pela tentativa de assimilar o Islão, introduzido no país pelos conquistadores árabes, com a herança e a grandeza da antiga Pérsia, no que Kinzer considera um «esforço continuado e frequentemente frustrante». Fortemente influenciados pela tradição xiita, os iranianos interiorizaram um sentimento de martírio colectivo, acompanhado pela busca de uma liderança justa, factores que desempenharam um papel fundamental na sua evolução, em especial em momentos de crise”

O moderno estado do  Irã teve suas preliminares no ano de 1905, quando separou a Igreja do Estado e deu os primeiros passos para sua delimitação de fronteiras. As duas Grandes Guerras, retardaram, porém, este processo mergulhando-o em incontáveis desencontros com os ingleses, “protetores”da região e os soviéticos, cobiçosos de abocanhar o norte do país, rico em mineiras.  No pós-guerra, com o desabrochar do nacionalismo que levaria aos princípios de auto-determinação dos povos e intangibilidade das fronteiras herdadas do período colonial, ambos sustentados pelas Nações Unidas, o Irã acabou consolidando-se como um Estado secular moderno e rico, e teve no líder Mussadegh,   um dos principais expoentes mundiais. Desde 1943, no Acordo de Teerã, o país já havia sido reconhecido como independente e teve suas fronteiras definidas, embora a União Soviética se tenha retirado das mesmas só três anos depois, não sem promessas dos iranianos quanto ao fornecimento de petróleo. Mas, em 1951, começaram as querelas com a Inglaterra em decorrência da nacionalização do petróleo, pelo Primeiro Ministro Mussadegh, que acabou deposto por um golpe arquitetado por britânicos e a CIA americana, que colocou em seu lugar, em 1953, um sucessor da dinastia Pahlevi, o famoso Xá da Pérsia, Rehza Pahlevi.

´Defendendo que «o Irão é a melhor pessoa para governar a sua casa», Mohamed Mossadegh liderou , grande parte desse processo, transformando-se num actor fundamental para a expressão das correntes nacionalistas. Como primeiro- ministro, Mossadegh manteve a inflexibilidade, continuando a enfrentar os interesses da Grã-Bretanha, consumando um choque que conduziu à total paralisação da exportação do petróleo iraniano.”  (Kinzer, Stephen, cit)

Pahlevi, não obstante  à testa de um regime tirano e bárbaro , famoso pela repressão e torturas infligidas aos opositores, prosseguiu os esforços de modernização e desenvolvimento do país, sempre  aliado incondicional dos americanos na região e carregando sobre seu Governo a sombra de ter sido imposto por um golpe. Tal incidente, com reflexos no trauma de uma população sucessivamente colonizada durante séculos, primeiro pelos árabes, depois pelos turcos, depois sob “Protetorado” da bandeira inglesa, deixou marcas profundas nos corações iranianos, que jamais perdoariam os Estados Unidos pelo feito contra Mussadegh. É este ambiente que cria as condições para a Revolta dos Ayatolás, em 1979, que não tem, curiosamente, nenhuma relação com o processo de autodeterminação do povo iraniano desde 1909, nem com a secularização e desenvolvimento em curso no país durante três quartas partes do Século XX. Como assinala Kinzer, em seu livro:

Na verdade, ao alterar por completo a evolução dos acontecimentos em Teerão, a intervenção de 1953 condicionou o equilíbrio de forças na região e a formação das alianças durante a Guerra Fria. A sua influência na história recente do Irão, quando conjugada com a importância geoestratégica do país, evidencia uma série de ligações entre algumas situações marcantes para a evolução da cena internacional até aos nossos dias. O golpe, pondo fim a uma democracia em construção, possibilitou a instauração de um regime despótico, que só seria derrubado pela força, ajudando a criar condições para o florescimento da Revolução Islâmica.  

Por estas e outras razões Kinzer e vários outros analistas consideram o Irã um país relativamente ocidentalizado, embora sob um regime arbitrário do Islam, mas com uma cultura, instituições  e uma sociedade , desde muito tempo, muito próximas da cultura européia. Para todos estes autores é um erro brutal (outro!) dos Estados Unidos atacar militarmente o Irã, aí envolvendo outro país muçulmano, a Turquia, igualmente  secularizado, com riscos de uma revertério interno a favor de radicais religiosos, sepultando de vez com a última alternativa de se construir pontes com o mundo muçulmano. Ressalte-se, ademais, que apesar do caráter ditatorial do regime dos Ayatolás, repudiado hoje por grande parte da população iraniana, especialmente a letrada e ampla  classe média daquele país, tal regime não se assemelha em nada com outros regime arbitrários da região, como o Arábia Saudita e do Iemem, aliados dos Estados Unidos. Não se tem notícia de que o regime iraniano seja um regime corrupto e economicamente retrógrado, nem que esteja apenas militarizando o país, como faz a Coréia do Norte, na tentativa de se eternizar pelas armas na região. O país vem se modernizando econômica e socialmente,  ostentando indicadores de renda e desenvolvimento semelhantes aos do Brasil, mas com alto nível de escolaridade e alfabetização (82%) de seus 70 milhões de habitantes, que têm no farsi a língua materna , dos quais 4/5 persas, dois milhões de refugiados e o restantes de outras nacionalidades e idiomas -azerbaijano  de 12 milhões), curdo (5,6 milhões), gilaki e mazandarani (3 milhões cada), luri (2,3 milhões), árabe khuzistani (2,2) turcomeno (2 milhões) e baktiari (1 milhão).

“O farsi é um idioma muito conhecido no Afeganistão (86%), no Azerbaijão (20%), no Paquistão (15%), no Iraque (5%) e em outras nações vizinhas, e teve um grande prestígio no passado, quando não havia sequer um único grande poeta, comerciante ou pessoa viajada do Oriente Médio e da Turquia que não sabia se expressar em farsi. Também foi o principal veículo de comunicação entre os povos do Sul da Ásia (Índia, Paquistão e Bangladesh) antes do Império Britânico anexar aquela região.

Quase toda pessoa que vive no Irão é bilíngue ou poliglota, desde pequena. Fala-se muito (além do persa, para os que não são persas) o árabe clássico, por ser a língua do Alcorão e a linguagem oficial nos países vizinhos a sul e leste do Irão. Também há quem conheça o turco, comummente ouvido no noroeste. No passado, o russo e o francês tiveram grande penetração na elite urbana, ainda o francês sendo conhecido por intelectuais, e actualmente não é pequeno o número de iranianos que dominam o inglês, língua que desperta enorme interesse nos jovens estudantes e nos homens de negócio. O inglês é o idioma da Internet, da indústria cultural de massa, do turismo, do mundo das finanças, das publicações proibidas e livres de censura que chegam de países do estrangeiro... é natural que seja cada vez mais estudado em escolas e faculdades de todo o globo, e no Irão não é diferente”

República Islâmica do Irão / Irã -  Lema: Esteql?l, ?z?d?, jomh?r?-ye esl?m? -(Persa: "Independência, Liberdade, (a) República Islâmica"); Área total - 1 648 195 km² (18.º); População Estimativa de 2005 - 68 467 413 habitantes; Densidade - 42 hab./km² (158.º); PIB (base PPC) Estimativa de 2009 - Total   US$ 830 058 mil milhões; Per capita - US$ 11 202; IDH (2010) - 0,710 elevado; Esper. de vida - 71,0 anos; Mort. infantil - 30,6/mil nasc.; e Alfabetização - 82,4%. 

A premiação, enfim, de um filme iranaiano pelo  Globo de Ouro, apenas demonstra o alto nível cultural de um povo milenar que jamais deveria ter sido molestado, quer pelos britânicos e americanos, em seu processo de auto-determinação política e econômica, quer pelos russos, da antiga URSS, em suas fronteiras. O ataque ao Irã será mais um crime contra a humanidade perpetrado em nome da segurança ocidental cujos resultados acarretarão, ao final, mais insegurança ao mundo inteiro.

Os fatos apontados não implicam de nenhuma forma defesa do regime vigente no Irã. E aqui, a cautela do Diretor do filme premiado não deixa dúvidas, nem exige interpretações. Ele é cauteloso. Porque sabe que o regime de seu país é arbitrário e pode penalizá-lo duramente por qualquer deslize. Uma nota do Governo do Irã já deixou claro que este está insatisfeito com a repercussão do filme no exterior. Considera que o tema do filme é doméstico . Outro Diretor Premiado Jafar Panahi, também premiado, por “Balão Branco”, está condenado a não fazer filme no Irã por 20 anos e Farhadi sabe dos riscos que corre. Não deseja, como sugeriu Jafar recentemente, ao se deixar filmar por um terceiro cineasta, ficar na situação daquelas duas cabeleireiras desocupadas que, sem ter o que fazer, cortam uma o cabelo da outra...

Lembremo-nos, pois, das palavras de Farhadi: O POVO IRANIANO É UM POVO DE PAZ. E quando dobrarem os sinos daquela longínqua região do mundo em pesar pelos mortos pelas bombas ocidentais, não perguntem, como nos falava o grande poeta J. Dohne, citado por Hemingway num romance imortal que lhe tomou o nome, por quem eles dobram. Eles dobrarão pelo pacífico povo  iraniano.

O filme iraniano ‘A Separação’, de Asghar Farhadi, ganhou, no domingo , dia 14 de janeiro (2012)   o Globo de Ouro de melhor filme de fala não inglesa. O Diretor, muito celebrado nos Estados Unidos, onde se realizou  a escolha , cauteloso, em todas as suas entrevistas, tem apenas reiterado : O Irã é um povo de paz.

Tem razão Farhadi em insistir neste ponto realçando que o Irã tem um povo e que este povo quer a paz. Seu país tem sido visto no Ocidente apenas como o país dos Ayatolás radicais que impuseram, em 1979, a Lei Islâmica e que, supostamente, agora, estariam tentando construir a bomba atômica. Os Estados Unidos, umbilicalmente aliados de Israel, arqui-inimigo dos muçulmanos, por causa da questão com os palestinos, não aceitam a rebeldia iraniana e ameaçam atacar militarmente o Irã. A situação vem se deteriorando há tempo e já há quem diga que a guerra é inevitável.

“A situação no Oriente Médio aproxima-se rapidamente do ponto crítico e o início do conflito já aparece nas cartas. Isso, em resumo, foi o que disse Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia (e ex-diretor do FSB, a organização que sucedeu a KGB) em entrevista à imprensa russa.”

(http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2012/01/13/russia-sees-middle-east-drifting-to-war/)

 Para a autoridade russa, é Israel que está empurrando os Estados Unidos para a guerra, embora ressalte que este país não tolera perder o controle sobre o mundo inteiro , destacando as manobras na tentativa de aumentar seu controle na Ásia. O ataque deverá começar pela Síria, através do turcos. Uma das razões, aliás, da ofensiva atual contra o Presidente da Síria é o fato de ele recusar-se a acompanhar o Ocidente contra o Irã. Tal como ocorreu na Líbia, a OTAN será acionada para assegurar uma área de exclusão militar na Síria e daí atingir o Irã.

Do ponto de vista militar, o estopim da crise poderia ser a alegada ocupação pelo Irá do estreito de Ormuz, por onde passa grande parte do petróleo destinado ao Ocidente. O Irã poderia, até, pela dificuldade de manobras de grandes porta-aviões americanos na área, principais projeções do poder bélico deste país no planeta, controlar o Estreito por algum tempo, impondo algumas derrotas à marinha americana.  A opinião é de Mahdi Darius Nazemroaya, Global Research, no recente artigo “Geopolítica do Estreito de Ormuz :Marinha dos EUA pode ser derrotada pelo Irã no Golfo Persa?” :

Não há qualquer dúvida entre os especialistas de que o formidável poder naval dos EUA resulta muito reduzido, pela geografia e pelas capacidades militares nos iranianos, no caso de combate no Golfo Persa e, de fato, em grandes partes também do Golfo de Omã. Longe de águas abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA teriam de combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância (considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais dos EUA, concebidos para combates navais em águas abertas e grandes distâncias entre os combatentes, são absolutamente imprestáveis, nas condições de combate no Golfo Persa.

(http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/01/geopolitica-do-estreito-de-ormuz.html[NTs]. )

Alguém já disse que a guerra é como a fama, ou um grande acidente. Nunca vem de uma hora para outra, por uma única causa.  No Irã, há tempos as palavras já foram gastas no esforço diplomático e , pelo menos, desde 2002, já desbordaram para as preliminares bélicas. Mas os americanos sabem, desde esta data, quando deflagraram a “Operação Millenium”,  que não será fácil dominar o Irã:

Depois de terminada a operação Millennium Challenge 2002, a operação foi oficialmente apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. De fato, sempre se tratou do Irã. [5] Os EUA já tinham as avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e Grã-Bretanha, que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque jamais teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos EUA.

 “A Operação Millennium Challenge 2002 foi, sim, simulação de guerra contra o Irã (na simulação chamado de “Red” [Vermelho] e apresentado como estado “bandido” [orig. rogue] do Oriente Médio no Golfo Persa). Só o Irã tem todas as características de território e forças militares apresentadas como de “Red” – dos botes-patrulha armados com mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela simulação monstro foi feita porque Washington planejava atacar o Irã imediatamente depois de invadir o Iraque em 2003.”

(cit.acima)

Mas se o discreto apelo à paz de Asghar Farhadi faz sentido, ele deve ser lido também nas entrelinhas. JorgeLuis Borges sempre nos ensinou que as entrelinhas falam mais do que o texto escrito. E Robert Kennedy, em sua notável interpretação do irado telegrama de Kruschev, na Crise dos Mísseis, em 1961, também interpretou nas suas entrelinhas  um paradoxal apelo à paz. Disse ele, na Casa Branca, ao lado do irmão Presidente,  quase nos últimos minutos da iminente declaração da Guerra Nuclear que poderia nos ter reduzido a pó: “Mas ele não falou em guerra. Este telegrama é para o público interno dele, não para nós…” . Fez-se a paz… O Diretor de “Separação” não fala nas autoridades de seu país. Nem que elas são pacíficas.  Fala que o povo iraniano é de paz. Brilhante!

Os governos são passageiros, uma nação é eterna. Jamais devemos confundir o Governo com os seus respectivos povos. 

Os ocidentais confundem muito o Irã com os árabes, em razão da confissão muçulmana na região. Historicamente, porém, os iranianos se constituem como um povo de tradições muito mais profundas na História. Descendem eles dos persas que construíram na Antiguidade um dos impérios mais duradouros na região. Importante lembrar que quando Alexandre, o Grande desatou de só um golpe de espada o famoso Nó Górdio, que miticamente representava uma  barreira à ocupação da Pérsia, ele promoveu, por vários meios, inclusive pelo seu casamento com a filha de um chefe tribal, a helenização  daquele império. Depois de Alexandre, a Pérsia nunca mais foi a mesma… Em contraposição, séculos mais tarde, os herdeiros dos gregos no Mediterrâneo, os romanos, jamais conseguiram helenizar o povo hebreu, do qual descendem os árabes. A resistência hebréia talvez tenha pesado na própria condenação de Cristo, no ano 33. E, pouco tempo depois, na rebelião dos anos 60, os romanos desataram a mais cruel repressão aos hebreus, chegando a destruir seu famoso templo, cujo única parede ainda está lá de pé, testemunhando o “Choque de Civilizações”daquela época.

A Pérsia, o Irã, é outra coisa. Não é o mundo árabe, igualmente respeitável. Aliás, só em 1935 tomou o nome Irã, sendo, até aquela data denominado Pérsia.

Um insuspeito jornalista americano, Stephen Kinzer, vem tentando explicar isto há muito tempo em várias reportagens, entrevistas e um livro : “Os Homens do Xá – O Golpe no Irã e as Origens do Terrorismo no Oriente Médio”:

“A história iraniana foi sendo construída   em torno de um conjunto de características muito próprias, de importância fundamental para assegurar a individualidade do Irão na região em que se insere. A sua evolução tem sido marcada pela tentativa de assimilar o Islão, introduzido no país pelos conquistadores árabes, com a herança e a grandeza da antiga Pérsia, no que Kinzer considera um «esforço continuado e frequentemente frustrante». Fortemente influenciados pela tradição xiita, os iranianos interiorizaram um sentimento de martírio colectivo, acompanhado pela busca de uma liderança justa, factores que desempenharam um papel fundamental na sua evolução, em especial em momentos de crise”

O moderno estado do  Irã teve suas preliminares no ano de 1905, quando separou a Igreja do Estado e deu os primeiros passos para sua delimitação de fronteiras. As duas Grandes Guerras, retardaram, porém, este processo mergulhando-o em incontáveis desencontros com os ingleses, “protetores”da região e os soviéticos, cobiçosos de abocanhar o norte do país, rico em mineiras.  No pós-guerra, com o desabrochar do nacionalismo que levaria aos princípios de auto-determinação dos povos e intangibilidade das fronteiras herdadas do período colonial, ambos sustentados pelas Nações Unidas, o Irã acabou consolidando-se como um Estado secular moderno e rico, e teve no líder Mussadegh,   um dos principais expoentes mundiais. Desde 1943, no Acordo de Teerã, o país já havia sido reconhecido como independente e teve suas fronteiras definidas, embora a União Soviética se tenha retirado das mesmas só três anos depois, não sem promessas dos iranianos quanto ao fornecimento de petróleo. Mas, em 1951, começaram as querelas com a Inglaterra em decorrência da nacionalização do petróleo, pelo Primeiro Ministro Mussadegh, que acabou deposto por um golpe arquitetado por britânicos e a CIA americana, que colocou em seu lugar, em 1953, um sucessor da dinastia Pahlevi, o famoso Xá da Pérsia, Rehza Pahlevi.

´Defendendo que «o Irão é a melhor pessoa para governar a sua casa», Mohamed Mossadegh liderou , grande parte desse processo, transformando-se num actor fundamental para a expressão das correntes nacionalistas. Como primeiro- ministro, Mossadegh manteve a inflexibilidade, continuando a enfrentar os interesses da Grã-Bretanha, consumando um choque que conduziu à total paralisação da exportação do petróleo iraniano.”  (Kinzer, Stephen, cit)

Pahlevi, não obstante  à testa de um regime tirano e bárbaro , famoso pela repressão e torturas infligidas aos opositores, prosseguiu os esforços de modernização e desenvolvimento do país, sempre  aliado incondicional dos americanos na região e carregando sobre seu Governo a sombra de ter sido imposto por um golpe. Tal incidente, com reflexos no trauma de uma população sucessivamente colonizada durante séculos, primeiro pelos árabes, depois pelos turcos, depois sob “Protetorado” da bandeira inglesa, deixou marcas profundas nos corações iranianos, que jamais perdoariam os Estados Unidos pelo feito contra Mussadegh. É este ambiente que cria as condições para a Revolta dos Ayatolás, em 1979, que não tem, curiosamente, nenhuma relação com o processo de autodeterminação do povo iraniano desde 1909, nem com a secularização e desenvolvimento em curso no país durante três quartas partes do Século XX. Como assinala Kinzer, em seu livro:

Na verdade, ao alterar por completo a evolução dos acontecimentos em Teerão, a intervenção de 1953 condicionou o equilíbrio de forças na região e a formação das alianças durante a Guerra Fria. A sua influência na história recente do Irão, quando conjugada com a importância geoestratégica do país, evidencia uma série de ligações entre algumas situações marcantes para a evolução da cena internacional até aos nossos dias. O golpe, pondo fim a uma democracia em construção, possibilitou a instauração de um regime despótico, que só seria derrubado pela força, ajudando a criar condições para o florescimento da Revolução Islâmica.  

Por estas e outras razões Kinzer e vários outros analistas consideram o Irã um país relativamente ocidentalizado, embora sob um regime arbitrário do Islam, mas com uma cultura, instituições  e uma sociedade , desde muito tempo, muito próximas da cultura européia. Para todos estes autores é um erro brutal (outro!) dos Estados Unidos atacar militarmente o Irã, aí envolvendo outro país muçulmano, a Turquia, igualmente  secularizado, com riscos de uma revertério interno a favor de radicais religiosos, sepultando de vez com a última alternativa de se construir pontes com o mundo muçulmano. Ressalte-se, ademais, que apesar do caráter ditatorial do regime dos Ayatolás, repudiado hoje por grande parte da população iraniana, especialmente a letrada e ampla  classe média daquele país, tal regime não se assemelha em nada com outros regime arbitrários da região, como o Arábia Saudita e do Iemem, aliados dos Estados Unidos. Não se tem notícia de que o regime iraniano seja um regime corrupto e economicamente retrógrado, nem que esteja apenas militarizando o país, como faz a Coréia do Norte, na tentativa de se eternizar pelas armas na região. O país vem se modernizando econômica e socialmente,  ostentando indicadores de renda e desenvolvimento semelhantes aos do Brasil, mas com alto nível de escolaridade e alfabetização (82%) de seus 70 milhões de habitantes, que têm no farsi a língua materna , dos quais 4/5 persas, dois milhões de refugiados e o restantes de outras nacionalidades e idiomas -azerbaijano  de 12 milhões), curdo (5,6 milhões), gilaki e mazandarani (3 milhões cada), luri (2,3 milhões), árabe khuzistani (2,2) turcomeno (2 milhões) e baktiari (1 milhão).

“O farsi é um idioma muito conhecido no Afeganistão (86%), no Azerbaijão (20%), no Paquistão (15%), no Iraque (5%) e em outras nações vizinhas, e teve um grande prestígio no passado, quando não havia sequer um único grande poeta, comerciante ou pessoa viajada do Oriente Médio e da Turquia que não sabia se expressar em farsi. Também foi o principal veículo de comunicação entre os povos do Sul da Ásia (Índia, Paquistão e Bangladesh) antes do Império Britânico anexar aquela região.

Quase toda pessoa que vive no Irão é bilíngue ou poliglota, desde pequena. Fala-se muito (além do persa, para os que não são persas) o árabe clássico, por ser a língua do Alcorão e a linguagem oficial nos países vizinhos a sul e leste do Irão. Também há quem conheça o turco, comummente ouvido no noroeste. No passado, o russo e o francês tiveram grande penetração na elite urbana, ainda o francês sendo conhecido por intelectuais, e actualmente não é pequeno o número de iranianos que dominam o inglês, língua que desperta enorme interesse nos jovens estudantes e nos homens de negócio. O inglês é o idioma da Internet, da indústria cultural de massa, do turismo, do mundo das finanças, das publicações proibidas e livres de censura que chegam de países do estrangeiro… é natural que seja cada vez mais estudado em escolas e faculdades de todo o globo, e no Irão não é diferente”

República Islâmica do Irão / Irã –  Lema: Esteql?l, ?z?d?, jomh?r?-ye esl?m? -(Persa: “Independência, Liberdade, (a) República Islâmica”); Área total – 1 648 195 km² (18.º); População Estimativa de 2005 – 68 467 413 habitantes; Densidade – 42 hab./km² (158.º); PIB (base PPC) Estimativa de 2009 – Total   US$ 830 058 mil milhões; Per capita – US$ 11 202; IDH (2010) – 0,710 elevado; Esper. de vida – 71,0 anos; Mort. infantil – 30,6/mil nasc.; e Alfabetização – 82,4%. 

A premiação, enfim, de um filme iranaiano pelo  Globo de Ouro, apenas demonstra o alto nível cultural de um povo milenar que jamais deveria ter sido molestado, quer pelos britânicos e americanos, em seu processo de auto-determinação política e econômica, quer pelos russos, da antiga URSS, em suas fronteiras. O ataque ao Irã será mais um crime contra a humanidade perpetrado em nome da segurança ocidental cujos resultados acarretarão, ao final, mais insegurança ao mundo inteiro.

Os fatos apontados não implicam de nenhuma forma defesa do regime vigente no Irã. E aqui, a cautela do Diretor do filme premiado não deixa dúvidas, nem exige interpretações. Ele é cauteloso. Porque sabe que o regime de seu país é arbitrário e pode penalizá-lo duramente por qualquer deslize. Uma nota do Governo do Irã já deixou claro que este está insatisfeito com a repercussão do filme no exterior. Considera que o tema do filme é doméstico . Outro Diretor Premiado Jafar Panahi, também premiado, por “Balão Branco”, está condenado a não fazer filme no Irã por 20 anos e Farhadi sabe dos riscos que corre. Não deseja, como sugeriu Jafar recentemente, ao se deixar filmar por um terceiro cineasta, ficar na situação daquelas duas cabeleireiras desocupadas que, sem ter o que fazer, cortam uma o cabelo da outra…

Lembremo-nos, pois, das palavras de Farhadi: O POVO IRANIANO É UM POVO DE PAZ. E quando dobrarem os sinos daquela longínqua região do mundo em pesar pelos mortos pelas bombas ocidentais, não perguntem, como nos falava o grande poeta J. Dohne, citado por Hemingway num romance imortal que lhe tomou o nome, por quem eles dobram. Eles dobrarão pelo pacífico povo  iraniano.