Voto eletrônico: peruanos analisam experiências sul-americanas

As diferentes experiências da Venezuela, da Argentina e do Brasil no uso de urnas eletrônicas centralizaram os debates no primeiro dia do seminário internacional sobre eleições informatizadas que começou ontem em Lima organizado pela Transparência Peru com o apoio das autoridades eleitorais daquele país –  Oficina Nacional de Processos Electorales (Onpe) e o Jurado Nacional de Eleicciones (JNE) – que estão implantando o voto eletrônico no Peru.

Em junho passado, na província de Pacarán, os peruanos votaram pela primeira vez em urnas eletrônicas e ainda há muitas dúvidas e desconfianças em relação a sistemas informatizados de votação, daí a iniciativa das autoridades e de entidades civis de promover o seminário e reunir representantes de outros países latino-americanos para absorver experiências.

Venezuela, Argentina e Brasil se destacaram por utilizarem urnas eletrônicas de gerações diferentes – de 1ª, 2ª, e 3ª. geração – por conta do tempo em que foram projetadas. Enquanto a urna brasileira, levando em conta o Brasil ter sido o primeiro país do mundo a informatizar totalmente o seu sistema eleitoral, ainda usa maquinas totalmente dependentes de softwares que não permitem recontagem de votos, de 1a. geração; a Venezuela usa equipamentos de segunda geração, que já imprimem o voto e permitem a auditoria do resultado; enquanto  Argentina, que iniciou o processo de informatização há pouquíssimo tempo, já usa em algumas províncias, como a de Salta, máquinas de terceira geração – que não só imprimem o voto como o gravam em um chip – apresentando uma dupla segurança quanto a lisura do resultado.

O presidente do Conselho Eleitoral Nacional da Venezuela, Vicente Diaz, em sua intervenção, deixou claro que qualquer sistema eleitoral eletronico é aceitável – desde que haja garantias de confiabilidade quanto aos resultados que produz, sem questionamentos de nenhuma espécie pelos candidatos que disputam cargos eletivos e os partidos políticos, além da sociedade.

“O que não pode acontecer é termos um sistema eleitoral onde, numa comparação simples, como em um túnel urbano, as pessoas vejam entrar uma moto e – do outro lado – sair um avião. Os processos eleitorais precisam ser obrigatoriamente confiáveis e auditáveis”, explicou.

Lembrou que na Venezuela, por conta das disputas políticas, em determinado momento só os candidatos ligados a linha política do presidente Chavez disputaram a eleição, mas depois a oposição repensou a sua atitude e se incorporou ao processo – disputando também eleições – mas jamais a lisura do pleito foi questionada. Exatamente pelo fato das eleições venezuelanas, realizadas com máquinas de votar que imprimem o voto, contarem com a recontagem obrigatória de 54% dos votos.  

“Apesar dos problemas políticos, o sistema eleitoral que usamos na Venezuela é aceito por 100% dos candidatos que disputam cargos”, acrescentou.

A advogada Maria Aparecida Cortiz, representante do PDT junto ao TSE, em sua apresentação, que um longo relato das dificuldades dos partidos políticos em fiscalizar o processo eleitoral devido ao acumulo de poderes da Justiça Eleitoral no Brasil – que além de fazer as eleições acontecerem, administrando o processo em toda a sua extensão, eventualmente é ré e juíza ao mesmo tempo.

Maria Aparecida explicou as leis e as nuances do sistema eleitoral brasileiro onde não há transparência e todas as decisões são tomadas pela Justiça Eleitoral que na prática não permite que os partidos nem a sociedade tenham clareza do processo. Falta transparencia e as máquinas de votar usadas no Brasil são quase inquestionáveis, do ponto de vista deles.

A juíza argentina Teresa Ovejero, por sua vez, explicou em detalhes as eleições na província de Salta, na Argentina, onde trabalha; explicou como funciona o processo eleitoral argentino, descentralizado, e deteve-se explicando o funcionamento das urnas eletrônicas de terceira geração que são usadas em Salta.

Na segunda mesa, o representante da Justiça eleitoral  paraguaia, Carmelo José Caballero, falou da experiência realizada naquele país com urnas eletrônicas procedentes do Brasil sob supervisão da Organização dos Estados Americanos (OEA), financiamento do governo dos Estados Unidos e ajuda do então presidente do TSE, Nelson Jobim. O equipamento foi usado em duas eleições, mas devido ao questionamento de um dos partidos políticos locais, pelo fato do software usado ser de conhecimento exclusivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as urnas foram judicialmente questionadas e abandonadas. As Eleições paraguaias voltaram para o sistema anterior, manual.

Um histórico das eleições informatizadas no Brasil foi feito pelo outro representante do PDT presente ao seminário, Osvaldo Maneschy, que ressaltou que a introdução do computador no processo eleitoral brasileiro, em 1982, não por acaso, coincidiu com a primeira tentativa – comprovada – de fraude eleitoral no país depois do fim do regime militar, o Caso Pronconsul, uma tentativa de agentes do regime que estava acabando de impedir a vitória eleitoral de Leonel Brizola – principal opositor da ditadura brasileira – nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982.

A falta de transparência da informatização das eleições brasileiras, iniciada em 1986, logo depois da campanha das Diretas Já e antes da primeira eleição presidencial brasileira pós-ditadura, em 1989 – também foi explicada aos presentes.

A realização do seminário do voto eletrônico no Peru foi saudada pelo fato do PDT ter, em 2002,  por iniciativa de Brizola, ter realizado a primeira discussão publica sobre informatização das eleições brasileiras e ser, até hoje, praticamente o único partido brasileiro a questionar a confiabilidade do sistema eleitoral – onde não existe auditoria nem recontagem de votos e são usadas máquinas eletronicas totalmente dependentes de softwares, inseguras, por não produzirem contra-provas materiais do voto que permitam auditoria.

Nos painéis da tarde, Magadelna Chú, principal dirigente da Oficina Nacional de Processos Electorales (ONPE) do Peru, explicou o trabalho que vem realizando para a implantação, lenta e gradual, do voto eletrônico no Peru. Ela ressaltou as qualidades da máquina de votar já usada na província de Pacarán e manifestou otimismo quanto ao futuro do voto eletrônico no país, projeto que a ONPE vem tocando com total e absoluta transparência, segundo ela, tanto que era uma das entidades promotoras do seminário, exatamente para que a sociedade peruana tomasse conhecimento da realidade do voto eletronico nos demais países latino-americanos.

Ainda na parte da tarde, o engenheiro Amilcar Brunazo Filho centralizou as atenções com sua palestra, pedagógica e detalhada sobre sistemas eletronicos de votar no mundo e sobre as diferenças entre os equipamentos de votar, de gerações diferentes, em uso na América Latina  – explicando passo a passo o que cada um é capaz de fazer.

A palestra de Amilcar não só suscitou vários questionamentos do representante do Jurado Nacional de Eleições, Virgilio Hurtado, que fez questão de anotar várias das informações técnicas repassadas por Amilcar – inclusive críticas a urna eletrônica em uso no Peru, como tambem o levou a agradecer, pubiclamente, pela contribuição do engenheiro brasileiro ao debate que está sendo travado nesses dias na sociedade peruana sobre o assunto. 

Hurtado manifestou também intenção de convidar Amilcar a participar, em outubro próximo, de uma outra discussão sobre o mesmo tema a ser organizado pela entidade que dirige.

As discussões e debates prososseguem hoje com a presença do professor Pedro Rezende, do Comitê Interdisciplinar Independente (Cmind) do Brasil, a qual Maria Aparecida e Amilcar Brunazo também pertence, juntamente com representantes de diversas organizações não governamentais também empenhadas na discussão do voto eletrônico no Peru.

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Ascom PDT