Neiva Moreira: Jango estava em listas da Condor

Claudio Leal

Em entrevista a Terra Magazine, o ex-exilado político e ex-deputado federal Neiva Moreira, 90 anos, rememora seu primeiro contato com a Operação Condor e oferece um testemunho: o nome do ex-presidente brasileiro João Goulart, deposto em 1964, estava em uma lista de inimigos das ditaduras sul-americanas a serem assassinados. Ele conheceu a relação através de um diplomata hispano-americano, na Argentina.

- Circulava profusamente essa relação onde constavam dois senadores do Uruguai e militares bolivianos e brasileiros democratas e opostos às ditaduras, assassinados depois. (...) O que se pode afirmar, porque se tornou público, é que o nome de João Goulart freqüentava aquela lista sinistra - afirma Neiva Moreira.

Leia também:
» Em depoimento, agente diz que Jango foi envenenado 


A morte de João Goulart, no exílio argentino, em 1976, saiu do campo das teorias conspiratórias e ganhou este mês a esfera jurídica.

Baseada no depoimento do ex-agente da inteligência do governo do Uruguai Mario Neira Barreiro - preso no Rio Grande do Sul por roubo e formação de quadrilha - e nos rastros da Operação Condor, a família de Jango entrou com uma ação na Procuradoria Geral da República para apurar as denúncias de envenenamento do líder trabalhista.

Em entrevista à repórter Simone Iglesias, na Folha de S. Paulo de ontem, Barreiro reafirmou a história e informou que a ordem para matar veio do governo Ernesto Geisel (1974-1979).

No relato do uruguaio, comprimidos envenenados foram postos nos frascos dos remédios de Jango, numa operação identificada como "Escorpião". O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony entrevistou o ex-agente para o livro O beijo da morte (2003), em parceria com Anna Lee. Em recente crônica na Folha, Cony definiu a personalidade de Barreiro:

"É um sujeito perigoso (estava algemado quando o entrevistamos), com uma tendência ao delírio. Mas seu delírio tem uma espinha dorsal que supera os detalhes assombrosos de seu relato."

A Operação Condor era um acordo de cooperação militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru, na perseguição aos inimigos políticos no exílio. Voltou à cena em dezembro de 2007, com o pedido de prisão de 140 militares desses países, expedido pela justiça da Itália (25 cidadãos de origem italiana estão "desaparecidos").

Neiva Moreira sentiu no exílio as movimentações da Condor. Jornalista ainda atuante, trabalhou nos Diários Associados - lidando com uma serpente chamada Assis Chateaubriand - e fundou a revista internacional Cadernos do Terceiro Mundo. Entrevistou de Yasser Arafat a Saddam Hussein. Nascido no Maranhão, em 10 de outubro de 1917, é uma das referências éticas do parlamento brasileiro.

Líder da Frente Parlamentar Nacionalista, Neiva se exilou, depois do golpe de 1964, no Uruguai. Por pressões políticas, partiu para a Argentina e o Peru. Sua experiência como político e repórter está no livro de memórias O Pilão da Madrugada - Um depoimento de Neiva Moreira a José Louzeiro. Leal amigo e companheiro do ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), permanece filiado ao PDT. Guarda a história dos embates políticos brasileiros desde os anos 30.

Em abril de 2001, Neiva Moreira depôs na comissão da Câmara que investigou a morte do ex-presidente. À época, lembrou que a lista incluía ainda o general boliviano Juan Torres, o senador uruguaio Wilson Ferreira Aldunate e o general Prates.

Nesta entrevista, o ex-deputado volta a defender a apuração dos fatos:

- É óbvio que a maioria esmagadora do povo brasileiro repudia os métodos utilizados pela ditadura e é natural que se espere que o governo e a justiça brasileira (tenham) a posição da justiça italiana como referência.

A seguir, a entrevista com Neiva Moreira. Respondeu por escrito às questões.

Terra Magazine - A família de João Goulart entrou com uma ação na Procuradoria Geral da República para pedir a investigação da morte do ex-presidente no exílio, que pode estar vinculada à Operação Condor. O senhor acredita que há razões para levantar a possibilidade de envenenamento?
Neiva Moreira - No período posterior à morte de João Goulart, circulou intensamente nos países latino-americanos, sobretudo na Argentina, a suspeita de assassinato. Considero importante e oportuna a iniciativa da família, visando esclarecer a morte do Presidente.

No exílio, como o senhor tomou conhecimento da cooperação entre as ditaduras militares da América do Sul?
Vários meios confiáveis e confidenciais nos fizeram crer naquela cooperação e foram inúmeras as precauções que tomamos para escapar da repressão continental. Aquilo nos deixava profundamente indignados e nos levou a denunciar tal fato nos meios de comunicações dos diversos países onde estivemos exilados.

O senhor teve acesso a uma lista secreta com os inimigos a serem eliminados pelas regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru? O presidente João Goulart figurava nessa lista? Quem estava nela?
Circulava profusamente essa relação onde constavam dois senadores do Uruguai e militares bolivianos e brasileiros democratas e opostos às ditaduras, assassinados depois. Pessoalmente, todas as vezes que uma figura importante da ditadura brasileira ia a Montevidéu, eu era preso previamente e um hotel que diziam pertencer ao presidente João Goulart, vasculhado. A última operação mobilizou mais de uma centena de soldados, que não encontraram nada que confirmasse tais boatos terroristas.

Em 2001, numa comissão da Câmara que investigou a Condor, o senhor disse que ainda não poderia revelar o nome do diplomata hispano-americano que lhe forneceu a lista secreta. Sete anos depois, já é possível?
Por motivos óbvios, a precaução continua e eu acho que vai perdurar por muito tempo. O que se pode afirmar, porque se tornou público, é que o nome de João Goulart freqüentava aquela lista sinistra.

Brizola esteve na mira da Operação Condor?
Era freguês de carteirinha de todas as ações das ditaduras latino-americanas. É importante afirmar que nunca e nem por nada ele se afastou um milímetro de seus ideais de liberdade e sua incansável capacidade de luta.

Como avalia a decisão da justiça italiana, que expediu 140 pedidos de prisão contra os envolvidos na "Operação Condor"?
Não só essa decisão merece todo apoio e aplauso, como todas as iniciativas que denunciem as ditaduras latino-americanas e outras da época carecem de aprofundamento com a denúncia e a punição dos envolvidos.

Qual deve ser a ação do governo e da justiça brasileira?
É óbvio que a maioria esmagadora do povo brasileiro repudia os métodos utilizados pela ditadura e é natural que se espere que o governo e a justiça brasileira (tenham) a posição da justiça italiana como referência.

            

Claudio Leal


Em entrevista a Terra Magazine, o ex-exilado político e ex-deputado federal Neiva Moreira, 90 anos, rememora seu primeiro contato com a Operação Condor e oferece um testemunho: o nome do ex-presidente brasileiro João Goulart, deposto em 1964, estava em uma lista de inimigos das ditaduras sul-americanas a serem assassinados. Ele conheceu a relação através de um diplomata hispano-americano, na Argentina.


– Circulava profusamente essa relação onde constavam dois senadores do Uruguai e militares bolivianos e brasileiros democratas e opostos às ditaduras, assassinados depois. (…) O que se pode afirmar, porque se tornou público, é que o nome de João Goulart freqüentava aquela lista sinistra – afirma Neiva Moreira.


Leia também:
» Em depoimento, agente diz que Jango foi envenenado 


A morte de João Goulart, no exílio argentino, em 1976, saiu do campo das teorias conspiratórias e ganhou este mês a esfera jurídica.


Baseada no depoimento do ex-agente da inteligência do governo do Uruguai Mario Neira Barreiro – preso no Rio Grande do Sul por roubo e formação de quadrilha – e nos rastros da Operação Condor, a família de Jango entrou com uma ação na Procuradoria Geral da República para apurar as denúncias de envenenamento do líder trabalhista.


Em entrevista à repórter Simone Iglesias, na Folha de S. Paulo de ontem, Barreiro reafirmou a história e informou que a ordem para matar veio do governo Ernesto Geisel (1974-1979).


No relato do uruguaio, comprimidos envenenados foram postos nos frascos dos remédios de Jango, numa operação identificada como “Escorpião”. O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony entrevistou o ex-agente para o livro O beijo da morte (2003), em parceria com Anna Lee. Em recente crônica na Folha, Cony definiu a personalidade de Barreiro:


“É um sujeito perigoso (estava algemado quando o entrevistamos), com uma tendência ao delírio. Mas seu delírio tem uma espinha dorsal que supera os detalhes assombrosos de seu relato.”


A Operação Condor era um acordo de cooperação militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru, na perseguição aos inimigos políticos no exílio. Voltou à cena em dezembro de 2007, com o pedido de prisão de 140 militares desses países, expedido pela justiça da Itália (25 cidadãos de origem italiana estão “desaparecidos”).


Neiva Moreira sentiu no exílio as movimentações da Condor. Jornalista ainda atuante, trabalhou nos Diários Associados – lidando com uma serpente chamada Assis Chateaubriand – e fundou a revista internacional Cadernos do Terceiro Mundo. Entrevistou de Yasser Arafat a Saddam Hussein. Nascido no Maranhão, em 10 de outubro de 1917, é uma das referências éticas do parlamento brasileiro.


Líder da Frente Parlamentar Nacionalista, Neiva se exilou, depois do golpe de 1964, no Uruguai. Por pressões políticas, partiu para a Argentina e o Peru. Sua experiência como político e repórter está no livro de memórias O Pilão da Madrugada – Um depoimento de Neiva Moreira a José Louzeiro. Leal amigo e companheiro do ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), permanece filiado ao PDT. Guarda a história dos embates políticos brasileiros desde os anos 30.


Em abril de 2001, Neiva Moreira depôs na comissão da Câmara que investigou a morte do ex-presidente. À época, lembrou que a lista incluía ainda o general boliviano Juan Torres, o senador uruguaio Wilson Ferreira Aldunate e o general Prates.


Nesta entrevista, o ex-deputado volta a defender a apuração dos fatos:


– É óbvio que a maioria esmagadora do povo brasileiro repudia os métodos utilizados pela ditadura e é natural que se espere que o governo e a justiça brasileira (tenham) a posição da justiça italiana como referência.


A seguir, a entrevista com Neiva Moreira. Respondeu por escrito às questões.


Terra Magazine – A família de João Goulart entrou com uma ação na Procuradoria Geral da República para pedir a investigação da morte do ex-presidente no exílio, que pode estar vinculada à Operação Condor. O senhor acredita que há razões para levantar a possibilidade de envenenamento?
Neiva Moreira – No período posterior à morte de João Goulart, circulou intensamente nos países latino-americanos, sobretudo na Argentina, a suspeita de assassinato. Considero importante e oportuna a iniciativa da família, visando esclarecer a morte do Presidente.


No exílio, como o senhor tomou conhecimento da cooperação entre as ditaduras militares da América do Sul?
Vários meios confiáveis e confidenciais nos fizeram crer naquela cooperação e foram inúmeras as precauções que tomamos para escapar da repressão continental. Aquilo nos deixava profundamente indignados e nos levou a denunciar tal fato nos meios de comunicações dos diversos países onde estivemos exilados.


O senhor teve acesso a uma lista secreta com os inimigos a serem eliminados pelas regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru? O presidente João Goulart figurava nessa lista? Quem estava nela?
Circulava profusamente essa relação onde constavam dois senadores do Uruguai e militares bolivianos e brasileiros democratas e opostos às ditaduras, assassinados depois. Pessoalmente, todas as vezes que uma figura importante da ditadura brasileira ia a Montevidéu, eu era preso previamente e um hotel que diziam pertencer ao presidente João Goulart, vasculhado. A última operação mobilizou mais de uma centena de soldados, que não encontraram nada que confirmasse tais boatos terroristas.


Em 2001, numa comissão da Câmara que investigou a Condor, o senhor disse que ainda não poderia revelar o nome do diplomata hispano-americano que lhe forneceu a lista secreta. Sete anos depois, já é possível?
Por motivos óbvios, a precaução continua e eu acho que vai perdurar por muito tempo. O que se pode afirmar, porque se tornou público, é que o nome de João Goulart freqüentava aquela lista sinistra.


Brizola esteve na mira da Operação Condor?
Era freguês de carteirinha de todas as ações das ditaduras latino-americanas. É importante afirmar que nunca e nem por nada ele se afastou um milímetro de seus ideais de liberdade e sua incansável capacidade de luta.


Como avalia a decisão da justiça italiana, que expediu 140 pedidos de prisão contra os envolvidos na “Operação Condor”?
Não só essa decisão merece todo apoio e aplauso, como todas as iniciativas que denunciem as ditaduras latino-americanas e outras da época carecem de aprofundamento com a denúncia e a punição dos envolvidos.


Qual deve ser a ação do governo e da justiça brasileira?
É óbvio que a maioria esmagadora do povo brasileiro repudia os métodos utilizados pela ditadura e é natural que se espere que o governo e a justiça brasileira (tenham) a posição da justiça italiana como referência.