Morre, aos 94 anos, o ex-presidente do PDT Neiva Moreira

O ex-presidente nacional do PDT, ex-deputado federal e jornalista Neiva Moreira, 94 anos, um dos grandes nomes do cenário politico do país, morreu nesta madrugada de quinta-feira (10/05) por vota de 2 h em São Luis (MA). Neiva estava internado no Hospital UDI, após complicações respiratórias.

O corpo do combatente trabalhista será velado na sede estadual do PDT a partir das 10h. O sepultamento está previsto para às 16h no cemitério do Gaveão.

Sobre Neiva Moreira

Neiva Moreira, José Guimarães (Nova Iorque, Maranhão – 1917) é um dos raros políticos brasileiros que marcaram sua ação tanto dentro do estado natal, o Maranhão, e do Brasil, como no exterior. Jornalista, publicista e político, Neiva teve uma atuação intensa nos países emergentes, transformando-se num dos grandes ativistas e teóricos do Terceiro Mundo, aquela parte do globo que, na época da guerra fria, pairava entre os antigos blocos Ocidental, comandado pelos Estados Unidos, e Socialista, liderado pela União Soviética.

Sua resistência heroica à conspiração que redundou na ditadura de 1964, ao liderar a Frente Parlamentar Nacionalista na Câmara dos Deputados, a partir de 1961, o aproximou de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul e já transformado numa grande liderança popular. Os dois passaram a percorrer o país pregando as reformas de base do presidente João Goulart e articulando as forças nacionalistas contra o golpe que se avizinhava e que acabou se efetivando em 1º de abril de 1964, pois tinha atrás de si o envolvimento da maior potência estrangeira.

Neiva Moreira foi preso e depois obrigado a exilar-se na Bolívia, de onde depois se mudou para o Uruguai, para, novamente com Brizola, organizar a resistência à ditadura, que se prolongaria por 20 anos. Foi então que entendeu que a crise brasileira jamais seria enfrentada efetivamente sem a junção dos povos oprimidos, particularmente aqueles dos países vizinhos, que sofriam as mesmas pressões que os nossos.

Naquela época, começavam a pipocar os movimentos de libertação dos povos africanos, depois de séculos de dominação pelas potências europeias. Neiva se transporta para Argélia, Angola, Moçambique e outras áreas conflagradas, de onde não só escreveria a crônica de sua libertação como participaria diretamente de suas lutas, angústias e glória.

Paralelamente, ele assessora os governos nacionalistas do general Alvarado, no Peru, de Perón, na Argentina, regimes que depois seriam varridos pelas ditaduras que sufocariam praticamente toda a América Latina.

Na volta ao Brasil, com a decretação da anistia, Neiva Moreira, que antes travara lutas libertárias contra as oligarquias do Maranhão, primeiro como jornalista e depois como deputado, fez questão de  retornar por São Luís, vindo do México, seu derradeiro exílio. Lá, implantou o PDT, partido que Leonel Brizola fundara ao chegar do exílio. Depois foi para o Rio de Janeiro, onde refundo os Cadernos do Terceiro Mundo, revista que lançara ainda em sua breve passagem pela Argentina e a continuara no México.

A história dos Cadernos do Terceiro Mundo, primeira publicação a tratar especificamente da questão dos países emergentes, se confunde com a própria vida atribulada de Neiva Moreira no exílio. Perseguido pelos grupos terroristas de direita que acabaram se apoderando da maioria daquelas nações, o velho maranhense às vezes era ultimado a deixar o país em 24 ou 48 horas, sob pena de ser assassinado, como ocorreu no Uruguai e depois na Argentina. Esta situação insólita lhe permitiu, juntamente com o faro de um dos melhores jornalistas brasileiros, penetrar a fundo na questão daqueles povos, fato que o levou a escrever vários livros memoráveis: O Nasserismo e a Revolução do Terceiro Mundo, para o qual entrevistou pessoalmente o presidente egípcio e líder nacionalista, general Gamal Abdel Nasser; Uruguai, Banda Oriental, Fronteiras do Mundo Livre, O Modelo Peruano e O Pilão da Madrugada, livros de memória, em depoimento a José Louzeiro.

Neiva Moreira foi presidente nacional do PDT, líder na Câmara por duas vezes, presidente da Comissão de Relações Exteriores e por fim tornou-se um dos principais assessores do governador do Maranhão, Jackson Lago, liderando do Palácio dos Leões a resistência à cassação de Lago, por fim consumada, em 2009, por pressões da oligarquia maranhense.

 

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Um sequestro de avião para tensionar

Neiva Moreira, ex-deputado e um dos maiores repórteres do país, está hoje com 93 anos, desfrutando de merecida aposentadoria, na ilha de São Luis, e ainda ativo politicamente. Como deputado federal pelo Maranhão e um dos mais árduos defensores de Brizola, Neiva bolou um plano para sequestrar um avião da Varig, na rota Brasília-Rio de Janeiro, desviando-o para o Rio Grande do Sul. Era uma maneira de atrair a atenção do país e tensionar o ambiente, com vistas à Campanha da Legalidade. Nunca antes tinha se falado em sequestro de aeronaves, aqui ou alhures.

Neiva, juntamente com outros parlamentares designam o deputado Tenório Cavalcante, do então Estado do Rio e conhecido por portar consigo uma submetralhadora, que ele chamava de “Lurdinha”, e usar uma capa preta, sob a qual escondia a arma.
– Tenório, conta Neiva, devia tomar um Constellation (o avião mais potente da época), em Brasília, e desviá-lo para Porto Alegre. Levaria como incentivo e respaldo ao general Machado Lopes ( comandante do III Exército que aderira à rebelião), e um manifesto assinado por mais de 100 deputados, iniciativa da bancada do PTB gaúcho.

Neiva e Brizola, em Porto Alegre, em 1960, antes da Legalidade

O plano fracassou porque o Constellation não tinha teto para esticar até Porto Alegre: “Tenório quis convencer o comandante do avião, mas foi por ele convencido: não havia condições técnicas para desviar a rota. Por isso foram parar no aeroporto Santos Dumont, no Rio, onde um tenente da Aeronáutica, de nome Gabriel (conforme informação de Esmerino Arruda), apreendeu a “Lurdinha”, só devolvida mais tarde, por intervenção superior.

O “comando” não teve alternativa: embarcou para São Paulo e, de lá, num teco-teco fretado, chegou a Porto Alegre a 1o. de setembro de 1961. A imprensa tratou discretamente a “tentativa de seqüestro que, por não ter sido consumada, perdeu o impacto desejado.

O episódio consta de um delicioso capítulo do livro – “O Pilão da Madrugada”, que Neiva Moreira escreveu pela Editora Terceiro Mundo, 1988, que trasncrevemos a seguir:

A Legalidade no Congresso

No Congresso, a repercussão da renúncia de Jânio Quadros foi intensa. O grupo nacionalista já andava às turras com o governo, criticando sua dupla face: progressista para uso externo, monetarista e reacionário, internamente. Nem a estranha condecoração do Che Guevara acalmou nossas inquietações. Essa contradição foi muito bem definida pelo mestre Edmundo Moniz. Escreveu ele no Correio da Manhã, em artigo depois publicado em livro:
A Jânio Quadros faltou um plano de governo, e, em poucos meses, tumultuou o país perdendo a confiança da burguesia, sem inspirar a confiança da classe média e do operariado, em vista das oscilações e das contradições de sua política interna e de sua política externa. Submetera-se ao Fundo Monetário Internacional no tocante à reforma cambial e, por outro lado, defendia uma posição independente na política exterior, ampliando os entendimentos comerciais com as nações socialistas.”

Como a Câmara recebeu a notícia da renúncia de Jânio?

Quem me deu o “furo” da renúncia foi o Carlos Castelo Branco, que era seu chefe de imprensa. Ele ia entrando na Câmara e me disse à queima-roupa: – Jânio acaba de renunciar. Fiquei frio. O que seria aquilo? Um impulso descontrolado? Teatro? Golpe?

Neiva, logo abaixo de Brizola, numa reunião tumultuada, em BH

A carta-renúncia de Jãnio Quadros era a comunicação mais sintética que se podia imaginar. Dizia apenas isto:
“Ao Congresso Nacional, nesta data e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25.08.61. J. Quadros.”
Em instantes, o Congresso ardia e a crise instalou-se. Desenhava-se, naquele momento, um fato ainda mais grave: o golpe contra a posse do Vice-Presidente João Goulart, ausente do país, em viagem à china. O líder do PTB, deputado Almino Afonso, denunciou:

“O Partido Trabalhista Brasileiro, fiel às suas tradições democráticas, não pode aceitar essa renúncia senão como um golpe, em que o presidente da República pretende retornar ao governo à maneira de um ditador, disfarçada ou não, seja de que forma for.”

Já tínhamos, à época, relacionamento com o governador Leonel Brizola. Ele participara de algumas reuniões conosco, antes e depois de constituir-se a Frente Parlamentar Nacionalista. Eram evidentes as nossas coincidências. Seu governo no Rio Grande do Sul tinha marca popular e nacionalista. A encampação das empresas de energia elétrica e de telefones, subsidiárias da Bond and Share e da ITT, projetou Brizola nacionalmente e representou um corajoso e patriótico desafio ao capital espoliativo internacional.

Quando, em 1961, ele deflagrou a luta no sul pela legalidade, o nosso grupo, acrescido de muitos parlamentares de outras áreas, entrou na batalha. O gaúcho Rui Ramos, militante nacionalista conseqüente, era líder da nossa tropa de choque no plenário da Câmara.

Esperávamos o pior, pois a direita civil e militar estava mobilizada. O ministro da guerra, general Odílio Denys, foi peremptório com o deputado Rui Ramos: “informo ao deputado que sou forçado a impedir que o Dr. Goulart assuma o poder. Digo-lhe mais, que se ele chegar ao território da República, serei forçado a prendê-lo imediatamente”.
Esta decisão fora logo transmitida pelo presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazilli, investido na presidência da República, ao presidente do Senado, Auro de Moura Andrade.

O marechal Lott, militar legalista, foi preso na fortaleza de Laje depois de lançar este manifesto: “Aos meus camaradas das forças armadas e ao povo brasileiro:
Tomei conhecimento, nesta data, da decisão do senhor ministro da Guerra, marechal Odilio Denys, manifestada ao governador do Rio Grande do Sul, através do deputado Rui Ramos, no Palácio do Planalto, em Brasília, de não permitir que o atual presidente da República, Dr. João Goulart, entre no exercício de suas funções e, ainda, de detê-lo no momento em que pise no território nacional.

Mediante ligação telefônica, tentei demover aquele eminente colega da prática de semelhante violência, sem obter resultado. embora afastado das atividades militares, mantenho compromisso de honra com a minha classe, com a minha pátria e com as suas instituições democráticas e constitucionais. E, por isso, sinto-me no dever de manifestar o meu repúdio à solução anormal e arbitrária que se pretende impor ao país. Dentro desta orientação, conclamo todas as forças vidas da Nação, as forças de produção e do pensamento, dos estudantes e intelectuais, operários e o povo em geral, para tomar posição decisiva e enérgica pelo respeito à Constituição e preservação integral do regime democrático brasileiro, certo, ainda, de que os meus nobres camaradas das forças armadas saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcam a sua história nos destinos da pátria. Henrique Lott.”

O que restava fazer era, assim, preparar-nos para o confronto, pois os golpistas pareciam dispostos a tudo. Foram, inclusive, dadas ordens para o bombardeio do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho e quartel-general da resistência ao golpe.
O general Machado Lopes, comandante do III Exército, confirma, no seu livro, a versão da ordem de bombardeio de Porto Alegre, que depois de pretendeu negar:

“No dia 27 de agosto, o comandante da Zona Aérea, brigadeiro Aureliano Passos, comunicava que havia recebido ordem de empregar seus aviões em vôos rasantes sobre o Palácio Piratini, com o objetivo de intimidar o governador Leonel Brizola. Informava-se, outrossim, que não cumpriria a ordem.”

Era evidente que, a qualquer momento poderia registrar-se um “golpe de mão” sobre o Congresso. Nosso grupo começou a trabalhar sobre o projeto da retirada de parte da Câmara, fiel à legalidade, para Goiânia. Fui até lá com os companheiros Fernando Santana e José Joffily para um entendimento com o governador Mauro Borges. Mauro, um firme combatente nacionalista engajado na defesa da posse de Jango, aprovou a idéia. Santana e Salvador Lossaco ficaram encarregados de preparar “a migração parlamentar”.

Lossaco previa a retirada através do cerrado, mas não gostou quando batizei a marcha de “Operação Carrapato”. O bloco conservador, liderado pelo presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, buscava todo tipo de fórmula conciliatória, uma das quais, a do parlamentarismo, arquitetada por Tancredo Neves, terminou vitoriosa.

Um seqüestro em defesa da legalidade
O Rio Grande do Sul transforma-se na trincheira política da legalidade. E não estava só. O povo e a parte mais combativa do parlamento mantinha-se a seu lado. Uma tarde, Brizola comunicou à bancada gaúcha que era necessário aumentar a pressão em Brasília. A divisão do Exército enviada ao Sul já se deslocava e o Palácio Piratini continuava sob a ameaça de bombardeio.

A luta no plenário era intensa, apaixonada, mas isso não bastava. Bolamos, com outros colegas, um acontecimento de impacto maior: o seqüestro de um avião. Não sei se fomos pioneiros na idéia, mas devemos ter andado próximos disso.

Decidida a operação, considerou-se que o deputado Tenório Cavalcanti seria o homem. Fui encarregado de convidá-lo e ele recebeu a idéia com simpatia, embora apresentasse algumas objeções. Afinal convenceu-se, depois de um bife bem passado que ele pedira expressamente para sua dieta, no meu apartamento, na Superquadra 107.
Tenório devia tomar um Constellation, em Brasília, e desviá-lo para Porto Alegre. levaria como incentivo e respaldo ao general Machado Lopes, o manifesto assinado por mais de 100 deputados, iniciativa da bancada do PTB gaúcho.

– Tudo OK? Então não esqueça a “Lurdinha” (sua famosa metralhadora) e a capa preta, disse eu, a Tenório. Entrei em contato com os demais colegas indicados para a missão: o senador ademarista Lino Matos (São Paulo) e os deputados trabalhistas José Lopes (Pernambuco) e Esmerino Arruda (Ceará). Todos aceitaram.

José Lopes era um truculento usineiro, da ala conservadora do PTB. Disse-lhe em tom de brincadeira:

– Você, agora, vai dignificar sua condição de cangaceiro. Lopes respondeu com um ar de cobrança: -É, vocês só se lembram de mim para essas coisas. Lino de matos desistiu. Estava com a mãe doente. Mas Esmerino, que tinha atração por aventuras, manteve-se decidido desde o primeiro momento.

Tenório estabeleceu uma condição: que pagassem as passagens Brasília/Rio. Meu filho Antonio Luís e Clóvis Sena, já instalados no Distrito Federal, compraram os bilhetes e embarcaram o “comando”. Tenório quis convencer o comandante do avião, mas foi por ele convencido: não havia condições técnicas para desviar a rota. Por isso foram parar no aeroporto Santos Dumont, no Rio, onde um tenente da Aeronáutica, de nome Gabriel (conforme informação de Esmerino Arruda), apreendeu a “Lurdinha”, só devolvida mais tarde, por intervenção superior.

O “comando” não teve alternativa: embarcou para São Paulo e, de lá, num teco-teco fretado, chegou a Porto Alegre a 1o. de setembro de 1961.

Fonte: http://radiolegalidade.wordpress.com

 

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