João Vicente: “Queremos esclarecer a verdade histórica”

Entrevista: João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart

João Vicente Goulart: filho do presidente João Goulart
Para ele, possível apuração sobre hipótese de envenenamento traz esperança de passar a limpo a morte do pai

O pedido do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, para que a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul investiguem a possibilidade de o presidente João Goulart ter sido envenenado no exílio trouxe ao filho dele, João Vicente Goulart, a esperança de finalmente passar a limpo a morte do pai, ocorrida em 1976. Oficialmente, Jango morreu na Argentina de complicações cardíacas. Para João Vicente, o pai, deposto pelo golpe militar de 1964, foi uma das vítimas da cooperação entre os serviços secretos das ditaduras no Cone Sul, materializada na Operação Condor. A principal motivação para sua convicção é o que ouviu de Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência uruguaio que sustenta ter monitorado Jango e participado de seu assassinato.

Em 2006, João Vicente esteve na penitenciária de Charqueadas (RS), onde Barreiro está preso por tráfico de armas, a fim de gravar um depoimento para um documentário sobre Jango produzido em parceria com a TV Senado. O preso afirmou que, a mando do governo brasileiro, ele e outros agentes que vigiavam a família Goulart trocaram remédios de Jango, que era cardíaco, por comprimidos com substâncias que provocariam um aparente enfarte.

Ao receber o Estado no apartamento onde vive a mãe, Maria Thereza Goulart, na zona sul do Rio, João Vicente disse que a história faz sentido para a família, apesar da falta de provas. “Ele (Barreiro) é uma prova viva.”

Como foi sua conversa com Barreiro?

Ele não sabia quem eu era. Quando disse, ficou perturbado. Aí, resolveu falar. Fui conduzindo a entrevista. Eu e minha mãe ficamos muito surpresos ao ver o DVD depois. Fatos, telefones, pessoas, lugares, tudo ele sabia. Citou uma batida que eu dei com o carro em Montevidéu uma vez, que não teve nem registro de ocorrência. Como ele sabia? Estava monitorando. A monitoração existia e pesadamente sobre nossa família.

Da monitoração vocês não têm dúvida. Mas o senhor acha que ele participou de um plano para envenenar seu pai?

O que a família tomou para si é o que fez: o pedido de investigação. Existe uma prova viva: ele. Dizem que não há prova. Mas todo pedido de investigação, quando existe um indício, é para que as provas venham a acontecer ou não.

O senhor acredita ou não que seu pai tenha sido assassinado?

Eu hoje acredito que sim. Tudo me leva a crer. Houve atentados ao escritório do meu pai em Buenos Aires. O ex-governador Miguel Arraes alertou meu pai de que o nome dele estava na lista da Operação Condor. Então por que eu não vou acreditar? O que mais querem? Que o Barreiro apresente uma declaração oficial do Geisel, assinada, expedindo o mandado de morte? Não existe isso.

O senhor considera verossímil essa parte do depoimento de Barreiro de que o próprio presidente Geisel teria dado ao delegado Sérgio Fleury a ordem para matar Jango?

Não sei. Isso cabe ao Ministério Público investigar. O que coube à família foi levantar esse depoimento. Não queremos a credibilidade do homem Mario Neira Barreiro, até porque ele está preso por contrabando de armas e falsidade ideológica. Não fui a um presídio procurar nele qualidades morais. O que temos de investigar é a veracidade do que ele conta. Fatos e indícios vêm corroborando a história dele, como documentos que recebemos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações). Há registros de agentes que subtraíram cartas do (Salvador) Allende, do (Juan) Perón, do Ulysses Guimarães. Está comprovado que eles tiravam. Isso mostra que estavam lá dentro de casa. Se eles declararam que levaram de forma clandestina documentos, podiam ter trocado o remédio. Se estavam lá dentro, não duvido disso. Como eu vou duvidar se os próprios documentos que nós estamos pesquisando e abrindo estão nos dizendo isso?

Já se pensou na exumação do corpo de Jango. Isso será feito?

Primeiro temos de saber se há a possibilidade de detectar algum tipo de vestígio das substâncias. Se não, seria uma coisa desnecessária.

O ministro da Justiça e o procurador-geral da República pediram que a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul apurem. É o que queria?

Isso muito nos alegra. Era isso o que queríamos. Se houve uma ordem da ditadura brasileira, através do Fleury, com veneno ou sem veneno, para matar meu pai, cabe a eles apurar.

Sua família espera uma indenização ou reparação do governo brasileiro se for comprovado que foi o mandante do assassinato de Jango?

Acho que nem tem mais prazo para isso. O que queremos é o esclarecimento histórico da verdade. O que sempre negaram a Jango. Ele morreu sem ser anistiado, sem ter as honras de chefe de Estado. Não dou legitimidade àquela ditadura que se instaurou. Entendemos que a declaração de vacância da Presidência, em março de 1964, é nula. Então, se houve um atentado contra Jango no exílio, não se tratava de um ex-presidente, mas do presidente legítimo do Brasil.

Quem é:
João Vicente Goulart

Formado em Filosofia pela PUC de Porto Alegre

Presidente do Instituto João Goulart, criado por ele há três anos

Produtor rural

Estadão

Entrevista: João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart

João Vicente Goulart: filho do presidente João Goulart
Para ele, possível apuração sobre hipótese de envenenamento traz esperança de passar a limpo a morte do pai

O pedido do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, para que a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul investiguem a possibilidade de o presidente João Goulart ter sido envenenado no exílio trouxe ao filho dele, João Vicente Goulart, a esperança de finalmente passar a limpo a morte do pai, ocorrida em 1976. Oficialmente, Jango morreu na Argentina de complicações cardíacas. Para João Vicente, o pai, deposto pelo golpe militar de 1964, foi uma das vítimas da cooperação entre os serviços secretos das ditaduras no Cone Sul, materializada na Operação Condor. A principal motivação para sua convicção é o que ouviu de Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência uruguaio que sustenta ter monitorado Jango e participado de seu assassinato.

Em 2006, João Vicente esteve na penitenciária de Charqueadas (RS), onde Barreiro está preso por tráfico de armas, a fim de gravar um depoimento para um documentário sobre Jango produzido em parceria com a TV Senado. O preso afirmou que, a mando do governo brasileiro, ele e outros agentes que vigiavam a família Goulart trocaram remédios de Jango, que era cardíaco, por comprimidos com substâncias que provocariam um aparente enfarte.

Ao receber o Estado no apartamento onde vive a mãe, Maria Thereza Goulart, na zona sul do Rio, João Vicente disse que a história faz sentido para a família, apesar da falta de provas. “Ele (Barreiro) é uma prova viva.”

Como foi sua conversa com Barreiro?

Ele não sabia quem eu era. Quando disse, ficou perturbado. Aí, resolveu falar. Fui conduzindo a entrevista. Eu e minha mãe ficamos muito surpresos ao ver o DVD depois. Fatos, telefones, pessoas, lugares, tudo ele sabia. Citou uma batida que eu dei com o carro em Montevidéu uma vez, que não teve nem registro de ocorrência. Como ele sabia? Estava monitorando. A monitoração existia e pesadamente sobre nossa família.

Da monitoração vocês não têm dúvida. Mas o senhor acha que ele participou de um plano para envenenar seu pai?

O que a família tomou para si é o que fez: o pedido de investigação. Existe uma prova viva: ele. Dizem que não há prova. Mas todo pedido de investigação, quando existe um indício, é para que as provas venham a acontecer ou não.

O senhor acredita ou não que seu pai tenha sido assassinado?

Eu hoje acredito que sim. Tudo me leva a crer. Houve atentados ao escritório do meu pai em Buenos Aires. O ex-governador Miguel Arraes alertou meu pai de que o nome dele estava na lista da Operação Condor. Então por que eu não vou acreditar? O que mais querem? Que o Barreiro apresente uma declaração oficial do Geisel, assinada, expedindo o mandado de morte? Não existe isso.

O senhor considera verossímil essa parte do depoimento de Barreiro de que o próprio presidente Geisel teria dado ao delegado Sérgio Fleury a ordem para matar Jango?

Não sei. Isso cabe ao Ministério Público investigar. O que coube à família foi levantar esse depoimento. Não queremos a credibilidade do homem Mario Neira Barreiro, até porque ele está preso por contrabando de armas e falsidade ideológica. Não fui a um presídio procurar nele qualidades morais. O que temos de investigar é a veracidade do que ele conta. Fatos e indícios vêm corroborando a história dele, como documentos que recebemos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações). Há registros de agentes que subtraíram cartas do (Salvador) Allende, do (Juan) Perón, do Ulysses Guimarães. Está comprovado que eles tiravam. Isso mostra que estavam lá dentro de casa. Se eles declararam que levaram de forma clandestina documentos, podiam ter trocado o remédio. Se estavam lá dentro, não duvido disso. Como eu vou duvidar se os próprios documentos que nós estamos pesquisando e abrindo estão nos dizendo isso?

Já se pensou na exumação do corpo de Jango. Isso será feito?

Primeiro temos de saber se há a possibilidade de detectar algum tipo de vestígio das substâncias. Se não, seria uma coisa desnecessária.

O ministro da Justiça e o procurador-geral da República pediram que a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul apurem. É o que queria?

Isso muito nos alegra. Era isso o que queríamos. Se houve uma ordem da ditadura brasileira, através do Fleury, com veneno ou sem veneno, para matar meu pai, cabe a eles apurar.

Sua família espera uma indenização ou reparação do governo brasileiro se for comprovado que foi o mandante do assassinato de Jango?

Acho que nem tem mais prazo para isso. O que queremos é o esclarecimento histórico da verdade. O que sempre negaram a Jango. Ele morreu sem ser anistiado, sem ter as honras de chefe de Estado. Não dou legitimidade àquela ditadura que se instaurou. Entendemos que a declaração de vacância da Presidência, em março de 1964, é nula. Então, se houve um atentado contra Jango no exílio, não se tratava de um ex-presidente, mas do presidente legítimo do Brasil.

Quem é:
João Vicente Goulart

Formado em Filosofia pela PUC de Porto Alegre

Presidente do Instituto João Goulart, criado por ele há três anos

Produtor rural

Estadão