“João Goulart se dedicou à causa pública. E não fez mais, porque não deixaram”


Osvaldo Maneschy e Apio Gomes
25/06/2019

O ex-governador e ex-senador gaúcho Pedro Simon e o presidente João Goulart se conheceram quando ambos ainda integravam a Ala Moça do PTB, véspera da eleição de Juscelino Kubistchek à Presidência da República, tendo na chapa Jango de vice. Convivência que se desdobrou em reuniões de Jango com os jovens, mesmo quando já tinha se tornado Vice-Presidente e presidente do Senado Federal; sendo algumas delas realizadas no Palácio Monroe.

[O Palácio Monroe, sede do Senado Federal desde 1925 até a mudança da Capital para Brasília – que recebeu a medalha de ouro na Exposição Mundial de Saint Louis, nos Estados Unidos, onde competiu com 50 projetos – foi demolido, 1975, por ordem presidente Ernesto Geisel.]

“Jango discutia política com a gente, naquela situação difícil, demonstrando sempre grande carinho pela opinião dos jovens”, lembrou Simon.

Herdeiro político de Getúlio Vargas, Jango liderava a Ala Moça, cuidando dos assuntos nacionais; enquanto Brizola cuidava dos assuntos ligados ao Rio Grande do Sul. “Jango era figura respeitável para todos nós: nos orientava a todos – última instância” para as questões políticas dos jovens, dentro do PTB.

O comando do PTB, depois de a morte de Getúlio Vargas, para Simon, foi uma sucessão natural; até porque quando Getúlio saiu do poder em 1945 e foi para São Borja, Jango se aproximou de Vargas, levou adiante e criou entre eles uma forte amizade. “Getúlio o considerava uma espécie de filho mais velho”, frisou Simon, um representante das pessoas mais simples com quem gostava de conviver.

A vitoriosa campanha de Getúlio à Presidência “foi dramática”, segundo Simon, mas também vitoriosa politicamente. E a primeira derrota sofrida por Getúlio, no poder, foi por conta de o aumento do salário mínimo e a consequente exoneração de Jango do Ministério do Trabalho, segundo Simon, início da pressão que acabou levando-o ao suicídio.

“Em 1954, Getúlio se matou para evitar uma imprevisível guerra civil”, garante Simon. Situação difícil que, em sua opinião, repetiu-se com o golpe de 1964 – quando Jango decidiu se afastar sem resistência da Presidência da República, para evitar uma guerra civil.

“A Quarta frota já estava navegando em direção ao Brasil, pronta para intervir – como relata em seu livro o então Embaixador americano no Brasil; que não gostou da renúncia de Jango, porque ele queria a guerra civil, queria intervir no Brasil, fato que influenciaria toda a América do Sul”, acrescentou.

A campanha da direita, as marchas da igreja contra Jango, a atuação da imprensa: a situação de calamidade que se criou no país às vésperas de 64, na opinião de Simon, não passou de uma grande mentira para desestabilizar o governo de Jango.

João Goulart, em sua opinião, era um estadista – o que provou no grande discurso que fez na sua visita à China, anunciando o que hoje é uma realidade com o BRICS: entidade que reúne Brasil, Rússia, China e África do Sul, de grande futuro no seu entendimento, por ser metade do mundo.

– “Jango começou isto!”.

Os anos 60, sob o governo Jango, foram de muita movimentação política; e não dá para dizer que Jango foi radical, embora ele tenha radicalizado a condução do país pouco antes do golpe, apressando a reação da direita; principalmente quando desapropriou, para fins de reforma agrária, as terras à beira das rodovias federais. “Ele fez isto para não ser vaiado no comício da Central do Brasil, entrando em um canal estreito”, argumentou.

Veio o golpe. Simon fala sobre a reunião na casa do comandante do III Exército, em Porto Alegre, puxada por Brizola, para articular a resistência ao golpe. “Ficamos boquiabertos com o que podia ser feito, mas tudo dependia do que aconteceria no Rio; Jango queria resistir, embora Brizola estivesse na paixão”.

A reunião durou até de manhã, com Jango saindo em direção ao Uruguai.

“Ficamos ali indecisos sobre o que iríamos fazer. Decidimos que não tinha o que fazer. E – com toda sinceridade – não critico a posição de Jango; embora, olhando agora para o episódio: tudo poderia acontecer se Jango tivesse ficado”.

Os fuzileiros navais americanos teriam desembarcado no Brasil em apoio ao golpe; provavelmente toda a América Latina, depois de o Brasil, seria submetida à ocupação norte-americana por conta dos fatos políticos que estavam acontecendo na Argentina, no Chile etc.

“Isto levou Jango a pensar duas vezes”, garante Simon, lembrando que se o general Kruel, comandante do II Exército, tivesse reagido ao golpe, seria diferente. Jango, segundo Simon, tinha restrições ao estilo de Brizola, apaixonado: jamais o deixaria no comando.

“Não dá para criticar Getúlio Vargas por se suicidar. Jango fez a mesma coisa, de outra forma, para evitar a guerra civil”.

A posição de independência do Brasil – marca dos governos de Getúlio e Jango: os presidentes do PTB – incomodava o governo dos Estados Unidos no mundo bipolar da época, de guerra fria entre Washington e Moscou. Hoje seria diferente. Embora os Estados Unidos continuem fortes, o mundo mudou e estão aí a China, a Índia, países árabes etc. O mundo mudou.

A morte de Jango, no exílio, foi uma notícia dura. Simon lembrou que até hoje há dúvidas sobre como ele morreu, principalmente depois que um uruguaio que está preso assumiu a culpa pela morte dele, no âmbito da Operação Condor – a eliminação física das grandes personalidades políticas fora do poder na América Latina. “João Vicente, filho de Jango, tem convicção de que seu pai foi assassinado”.

“Com toda sinceridade, acho absurdo não terem feito autópsia na época, ficando essa interrogação sobre a morte de Jango”, afirmou Simon, lembrando, porém das restrições impostas por Brasília para o sepultamento de Jango em São Borja, como o féretro atravessar a fronteira em alta velocidade para impedir qualquer manifestação política no enterro.

Pelo presidente que foi, Simon não tem dúvida de que Jango “tem um grande lugar na História”, por sua luta em defesa dos trabalhadores: como herdeiro do legado político de Vargas e por sua atuação na Presidência, onde não se acomodou.

“Diferente, por exemplo, da sucessão de José Sarney ao presidente Tancredo Neves. Quando Tancredo morreu, Sarney assumiu e jogou todas as bandeiras de Tancredo fora”, criticou. “Jango não se acomodou e se o general Amaury Kruel tivesse marchado em direção às tropas que marchavam para o Rio, procedentes de Minas Gerais, ele teria feito a resistência”.

E concluiu:

“Jango foi dedicado à causa pública. Farrista, boêmio, não é o que foi… Como Ministro, como Presidente da República e presidente do PTB, Jango se dedicou à causa pública. E não fez mais, porque não deixaram”.

Confira a entrevista completa abaixo: