“Isto É” entrevista Lupi

    
O jornaleiro que virou ministro
 
Herdeiro do PDT, Carlos Lupi espera completar, neste ano, a meta de criar os dez milhões de empregos prometidos por Lula
 
Por POR HUGO STUDART E SÉRGIO PARDELLAS
 
Carlos Lupi era jornaleiro em Ipanema quando Leonel Brizola retornou do exílio em 1979. A banca onde trabalhava, como empregado e sem carteira assinada, ficava ao lado do hotel Everest, em Ipanema, onde se hospedou o velho caudilho trabalhista. Começava ali uma grande amizade que duraria 26 anos. Os diálogos duravam horas. “Só ele falava, eu só ouvia”, conta Lupi. Em 1990, sempre com ajuda de Brizola, Lupi saiu das sombras e se elegeu deputado federal. Mais tarde, ele se tornaria vice-presidente do PDT. Mas foi em 2004, com a morte do líder pedetista, que Carlos Lupi deu o seu maior salto na política: herdou o comando do PDT. Em abril de 2007, com o início do segundo mandato do presidente Lula, ele virou ministro do Trabalho.
 
Aos 50 anos, esse ex-jornaleiro, hoje formado em administração e com especialização em economia, está no ápice de sua carreira. Nascido em Campinas, tornou-se cidadão da praia do Leme. Extrovertido, fala balançando as mãos e os braços. Na virada do ano, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República avisou que ele deveria abandonar o governo ou a presidência do PDT. Segundo a Comissão, haveria conflito de interesses entre as duas atividades. Em entrevista a ISTOÉ, Lupi avisa que não sai. E promete ir até a Corte de Haia, que julga casos de violações dos direitos humanos. Em sua gestão no Ministério do Trabalho, o Brasil bateu o recorde histórico de geração de empregos formais. Em 2007, 1,7 milhão de carteiras de trabalho foram assinadas. Significa que nos cinco anos da era Lula foram criados 8,6 milhões de novos empregos, muito próximo dos dez milhões que ele prometeu criar na campanha de 2002.
 
ISTOÉ – A Comissão de Ética da Presidência avalia que há conflito de interesses entre seus cargos de ministro do Trabalho e de presidente do PDT. O sr. vai largar algum deles
Carlos Lupi – Não. Isso é uma perseguição política, contra o PDT e contra a minha pessoa. Por que nunca recomendaram isso contra nenhum outro? Estão querendo criminalizar um partido político, como se fosse crime ser militante e membro do governo. Ora, é um direito constitucional exercer os dois cargos e vou lutar por eles até o fim. O Marcílio Marques Moreira, presidente da Comissão, só faltou dizer: “Não pode, desde que seja do PDT, cujo nome comece com Carlos e termine com Lupi.” Se não fosse por isso, ia arrumar outro motivo. Ia dizer que eu sou espírita kardecista, salgueirense ou torcedor do Fluminense. E aí, meu irmão, será que também não haveria conflito em ser tricolor fanático e ministro? É ridícula essa recomendação ética, especialmente vinda do Marcílio, um ex-ministro de Fernando Collor, único presidente da República derrubado por corrupção.
 
ISTOÉ – O sr. está apegado ao cargo? 
Lupi – Sou apegado à Constituição e, com essa perseguição, começou-se a rasgá-la. Se for necessário, vou à Corte de Haia para assegurar meus direitos. Não há um fato sequer de quebra de ética de minha parte. Eles dizem que eu posso vir a quebrar a ética. Isso é um absurdo, é prejulgamento. É uma perseguição pessoal do Marcílio.
 
ISTOÉ – E por que o presidente da Comissão de Ética iria querer prejudicá-lo? 
Lupi – Isso vocês têm de perguntar a ele. Eu não sou consultor de nenhuma empresa particular. Não participo de nenhuma atividade privada. Não tenho remuneração de nenhum órgão. Quanto ao Marcílio, está na página dele na internet que ele é consultor da American Bank- Note, empresa responsável por confeccionar carteiras de trabalho no Brasil. Quando virei ministro, decidi fazer uma concorrência para modernizar as carteiras de trabalho. Quem não tem ética é ele. Eu me sentiria impedido de julgar um ministro de Estado se eu fosse consultor de uma empresa que tem interesse naquele Ministério. Isso é antiético. Outro dia meu filho de dez anos me disse: “Pai, esse Marcílio é uma tanajura.” Aí eu respondi: “Ué, mas por quê? A tanajura é um bicho tão bonitinho.” E ele explicou: “É porque tanajura incomoda.” Realmente, o Marcílio está aí só para me incomodar.
 
ISTOÉ – E se o sr. for convidado a sair? 
Lupi – Só o diretório nacional pode me tirar do partido. A não ser que o presidente queira que eu saia. Mas nunca conversamos sobre isso.
 
ISTOÉ – Por que o sr. merece ficar no governo? 
Lupi – Os economistas não conseguem compreender coisas que às vezes são óbvias. Quando assumi o Ministério, eu disse que ia quebrar o recorde de geração de empregos. Todo mundo riu de mim. Estamos quebrando. Em 15 de janeiro, vamos anunciar que em 2007 conseguimos gerar cerca de 1,7 milhão de empregos, o que é um recorde histórico. Nunca antes na história deste país (risos), como diria o presidente, se criaram tantos empregos num só ano. Muito graças ao meu trabalho no Ministério. Incluímos 690 mil pessoas no mercado formal. São trabalhadores que passaram a ter carteira assinada graças à fiscalização do Ministério. Quando aqui cheguei, eu também disse que o Brasil ia crescer mais de 5%. Estamos crescendo. E os economistas, com todas as análises, não conseguem observar o óbvio. Anotem aí, depois podem me cobrar: em 2008 o Brasil vai crescer entre 6% e 6,5% e vai gerar mais de dois milhões de empregos formais.
 
 
ISTOÉ – Os economistas do governo, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não estão tão otimistas assim. Eles estão muito preocupados com os efeitos da crise americana. 
Lupi – O Meirelles e o Banco Central trabalham com a influência do mundo na economia interna. Todos os economistas diziam que o Brasil iria crescer 2,5% a 3,5% em 2007. E o Brasil cresceu 5,2%. E a inflação ficou em 4,5%, ou seja, dentro da meta. A crise americana tem uma realidade muito específica. É uma crise imobiliária. Muita gente especulou e fraudou esse mercado, muita gente pegou dinheiro emprestado e não comprou a casa própria. Mas hoje, felizmente, apenas 25% da balança comercial brasileira está vinculada aos americanos. Além disso, a demanda interna é mais importante. Com a valorização do salário mínimo, tem muito dinheiro circulando por gente que não estava na economia. Se você for aos shoppings populares, vai ver um poder de compra dessas pessoas muito maior do que nos shoppings de classe média. Houve uma distribuição de renda maior para uma massa maior, que está consumindo, comprando, viajando e fazendo turismo. Por isso vamos crescer 6,5% neste ano.
 
ISTOÉ – Mas nem mesmo o ministro Guido Mantega está tão otimista quanto o sr. 
Lupi – A economia não é uma conta de tabuada. A diferença é que eu não sou um ministro de gabinete. Ando pelas ruas, vou à feira, ao mercado, faço compras, escuto as pessoas, vou aonde o povo está. Outro dia, me encontraram no mercado do Leme, de bermuda e chinelo, e falaram: “Você é muito parecido com o ministro Lupi”. Eu falei: “Sou eu mesmo.” O homem olhou para minha roupa e disse: “Mas não pode ser.” E eu brinquei: “Meu irmão, será que por ser ministro preciso fazer compras de smoking?” A diferença é essa. Minhas previsões são com base na realidade dos números e, principalmente, das ruas.
 
ISTOÉ – O sr. defende a flexibilização das leis trabalhistas para impulsionar a geração de empregos, mas não admite uma reforma que tire direitos dos trabalhadores. Como desatar este nó? 
Lupi – Não gosto dessa palavra, “flexibilizar”, porque ela está sempre casada com retirada de direitos. Eu prefiro falar em atualizar a legislação. Atualizar alguns pontos que estão em desuso.
 
ISTOÉ – Por exemplo? 
Lupi – O trabalho aos domingos. A legislação proibia, mas a realidade da economia passou a exigir. Os patrões passaram a conceder a folga no meio da semana. Aí o trabalhador se sentia cerceado em seu direito. No dia da semana o cara não tinha como sentar à mesa do bar e tomar uma cervejinha, jogar um carteado. Para alguns senhores pode até não parecer ético, mas as pessoas gostam de beber e jogar aos domingos. Então fizemos uma negociação, devagarinho, com consenso, até que no ano passado saiu a regulamentação. O trabalhador ganha um dinheirinho a mais trabalhando aos domingos. E mantém o direito garantido de, a cada dois domingos trabalhados, ter um de folga. A palavra de ordem é essa: “atualizar” a legislação trabalhista. Você não tem como impor à sociedade mudanças se ela não estiver plenamente preparada para isso.
 
ISTOÉ – Quais outras atualizações o sr. pretende negociar? 
Lupi – Um grande desafio é incluir os jovens no mercado. Como fazer com que os garotos da Rocinha sejam cooptados pelas empresas de informática, e não pelo tráfico? Para isso, vamos lançar um programa para a inclusão digital com qualificação profissional. Outro desafio é incluir 55 milhões de trabalhadores que estão no mercado informal. Tem o autônomo, aquele que é informal por opção, como o advogado. Quando eu trabalhava como jornaleiro, eu estava nesse grupo. Tem também aqueles que são empurrados para a informalidade, como o vendedor ambulante que trabalha em mercados populares. Esses aí precisam da proteção do Estado; eles são uns 15 milhões.
 
ISTOÉ – Como assim? 
Lupi – Minha idéia é que eles sejam submetidos a uma legislação específica, como a das empregadas domésticas. Elas têm a carteira assinada pelo patrão e um desconto diferenciado. Não possuem os mesmos direitos de um trabalhador da economia formal, mas têm aposentadoria. Podemos criar um Fundo Público de Previdência e dizer: você vai ter uma aposentadoria e um rendimento se descontar R$ 10 por mês durante 20 anos. Hoje ele poderia até contribuir como autônomo. Mas para o ambulante não compensa, o desconto como autônomo é alto.
 
ISTOÉ – Os empresários dizem que os encargos sociais elevados reduzem a competitividade e que a flexibilização gera mais empregos. O Congresso vai discutir a reforma trabalhista
Lupi – É uma decisão definitiva do governo não fazer reforma alguma na CLT para retirar direitos. Além disso, as grandes empresas e as multinacionais já incorporaram os custos trabalhistas aos preços dos produtos. O que precisamos agora é encontrar uma fórmula para que as pequenas e microempresas reduzam a informalidade. O segredo não está em mudar a CLT, mas sim os impostos. Estou propondo criar uma tabela diferenciada de impostos em troca da geração de empregos com carteira assinada. É o que chamo de “mais valia do emprego”. Quanto mais empregos a empresa gerar, menos impostos ela terá de pagar. Se por um lado o governo perde na arrecadação, por outro ganha com a redução do déficit da Previdência. Eu já vinha negociando isso com o ministro Guido Mantega. Aí veio essa história da CPMF e o governo perdeu R$ 40 bibilhões, foi tudo zerado. Vamos dar um tempo e tentar retomar as conversas.
 
ISTOÉ – Um dos legados da sua gestão foi repassar 10% do imposto sindical para as centrais sindicais. O sr. não teme entrar para a história como o ministro que institucionalizou o peleguismo? 
Lupi – Então, o mundo é só de pelegos. As centrais sindicais nos apóiam porque esse é um governo que protege os trabalhadores. Além disso, esse dinheiro vem do salário do trabalhador. Por lei, todo ano o trabalhador desconta um dia do seu salário e repassa para o seu sindicato. Se fosse de outra forma, os sindicatos não conseguiriam se manter. É muito sindicato. Só que o governo ficava com 20% disso. Agora, fica com 10% e as centrais sindicais com outros 10%.
 
ISTOÉ – O candidato do PDT à Prefeitura do Rio, o radialista Wagner Montes, lidera as pesquisas. Mas ele parece o Capitão Nascimento do filme Tropa de elite. O que pensaria Brizola? 
Lupi – Wagner Montes representa o fenômeno de um homem que sabe se comunicar bem com o povo. A polícia não é responsabilidade do município, e sim do Estado. Dá para imaginar que o Wagner Montes vá encarnar um Capitão Nascimento sem tropa? Além disso, não está garantido que ele será nosso candidato. Há também o deputado federal Brizola Neto, que representa os ideais políticos do avô, e o deputado estadual Paulo Ramos, líder da bancada. Vamos decidir pelo debate. Embora nos chamem de caudilhos, somos democratas.
 
 

    

O jornaleiro que virou ministro

 

Herdeiro do PDT, Carlos Lupi espera completar, neste ano, a meta de criar os dez milhões de empregos prometidos por Lula

 

Por POR HUGO STUDART E SÉRGIO PARDELLAS

 

Carlos Lupi era jornaleiro em Ipanema quando Leonel Brizola retornou do exílio em 1979. A banca onde trabalhava, como empregado e sem carteira assinada, ficava ao lado do hotel Everest, em Ipanema, onde se hospedou o velho caudilho trabalhista. Começava ali uma grande amizade que duraria 26 anos. Os diálogos duravam horas. “Só ele falava, eu só ouvia”, conta Lupi. Em 1990, sempre com ajuda de Brizola, Lupi saiu das sombras e se elegeu deputado federal. Mais tarde, ele se tornaria vice-presidente do PDT. Mas foi em 2004, com a morte do líder pedetista, que Carlos Lupi deu o seu maior salto na política: herdou o comando do PDT. Em abril de 2007, com o início do segundo mandato do presidente Lula, ele virou ministro do Trabalho.

 

Aos 50 anos, esse ex-jornaleiro, hoje formado em administração e com especialização em economia, está no ápice de sua carreira. Nascido em Campinas, tornou-se cidadão da praia do Leme. Extrovertido, fala balançando as mãos e os braços. Na virada do ano, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República avisou que ele deveria abandonar o governo ou a presidência do PDT. Segundo a Comissão, haveria conflito de interesses entre as duas atividades. Em entrevista a ISTOÉ, Lupi avisa que não sai. E promete ir até a Corte de Haia, que julga casos de violações dos direitos humanos. Em sua gestão no Ministério do Trabalho, o Brasil bateu o recorde histórico de geração de empregos formais. Em 2007, 1,7 milhão de carteiras de trabalho foram assinadas. Significa que nos cinco anos da era Lula foram criados 8,6 milhões de novos empregos, muito próximo dos dez milhões que ele prometeu criar na campanha de 2002.

 

ISTOÉ – A Comissão de Ética da Presidência avalia que há conflito de interesses entre seus cargos de ministro do Trabalho e de presidente do PDT. O sr. vai largar algum deles

Carlos Lupi – Não. Isso é uma perseguição política, contra o PDT e contra a minha pessoa. Por que nunca recomendaram isso contra nenhum outro? Estão querendo criminalizar um partido político, como se fosse crime ser militante e membro do governo. Ora, é um direito constitucional exercer os dois cargos e vou lutar por eles até o fim. O Marcílio Marques Moreira, presidente da Comissão, só faltou dizer: “Não pode, desde que seja do PDT, cujo nome comece com Carlos e termine com Lupi.” Se não fosse por isso, ia arrumar outro motivo. Ia dizer que eu sou espírita kardecista, salgueirense ou torcedor do Fluminense. E aí, meu irmão, será que também não haveria conflito em ser tricolor fanático e ministro? É ridícula essa recomendação ética, especialmente vinda do Marcílio, um ex-ministro de Fernando Collor, único presidente da República derrubado por corrupção.

 

ISTOÉ – O sr. está apegado ao cargo? 

Lupi – Sou apegado à Constituição e, com essa perseguição, começou-se a rasgá-la. Se for necessário, vou à Corte de Haia para assegurar meus direitos. Não há um fato sequer de quebra de ética de minha parte. Eles dizem que eu posso vir a quebrar a ética. Isso é um absurdo, é prejulgamento. É uma perseguição pessoal do Marcílio.

 

ISTOÉ – E por que o presidente da Comissão de Ética iria querer prejudicá-lo? 

Lupi – Isso vocês têm de perguntar a ele. Eu não sou consultor de nenhuma empresa particular. Não participo de nenhuma atividade privada. Não tenho remuneração de nenhum órgão. Quanto ao Marcílio, está na página dele na internet que ele é consultor da American Bank- Note, empresa responsável por confeccionar carteiras de trabalho no Brasil. Quando virei ministro, decidi fazer uma concorrência para modernizar as carteiras de trabalho. Quem não tem ética é ele. Eu me sentiria impedido de julgar um ministro de Estado se eu fosse consultor de uma empresa que tem interesse naquele Ministério. Isso é antiético. Outro dia meu filho de dez anos me disse: “Pai, esse Marcílio é uma tanajura.” Aí eu respondi: “Ué, mas por quê? A tanajura é um bicho tão bonitinho.” E ele explicou: “É porque tanajura incomoda.” Realmente, o Marcílio está aí só para me incomodar.

 

ISTOÉ – E se o sr. for convidado a sair? 

Lupi – Só o diretório nacional pode me tirar do partido. A não ser que o presidente queira que eu saia. Mas nunca conversamos sobre isso.

 

ISTOÉ – Por que o sr. merece ficar no governo? 

Lupi – Os economistas não conseguem compreender coisas que às vezes são óbvias. Quando assumi o Ministério, eu disse que ia quebrar o recorde de geração de empregos. Todo mundo riu de mim. Estamos quebrando. Em 15 de janeiro, vamos anunciar que em 2007 conseguimos gerar cerca de 1,7 milhão de empregos, o que é um recorde histórico. Nunca antes na história deste país (risos), como diria o presidente, se criaram tantos empregos num só ano. Muito graças ao meu trabalho no Ministério. Incluímos 690 mil pessoas no mercado formal. São trabalhadores que passaram a ter carteira assinada graças à fiscalização do Ministério. Quando aqui cheguei, eu também disse que o Brasil ia crescer mais de 5%. Estamos crescendo. E os economistas, com todas as análises, não conseguem observar o óbvio. Anotem aí, depois podem me cobrar: em 2008 o Brasil vai crescer entre 6% e 6,5% e vai gerar mais de dois milhões de empregos formais.

 

 

ISTOÉ – Os economistas do governo, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não estão tão otimistas assim. Eles estão muito preocupados com os efeitos da crise americana. 

Lupi – O Meirelles e o Banco Central trabalham com a influência do mundo na economia interna. Todos os economistas diziam que o Brasil iria crescer 2,5% a 3,5% em 2007. E o Brasil cresceu 5,2%. E a inflação ficou em 4,5%, ou seja, dentro da meta. A crise americana tem uma realidade muito específica. É uma crise imobiliária. Muita gente especulou e fraudou esse mercado, muita gente pegou dinheiro emprestado e não comprou a casa própria. Mas hoje, felizmente, apenas 25% da balança comercial brasileira está vinculada aos americanos. Além disso, a demanda interna é mais importante. Com a valorização do salário mínimo, tem muito dinheiro circulando por gente que não estava na economia. Se você for aos shoppings populares, vai ver um poder de compra dessas pessoas muito maior do que nos shoppings de classe média. Houve uma distribuição de renda maior para uma massa maior, que está consumindo, comprando, viajando e fazendo turismo. Por isso vamos crescer 6,5% neste ano.

 

ISTOÉ – Mas nem mesmo o ministro Guido Mantega está tão otimista quanto o sr. 

Lupi – A economia não é uma conta de tabuada. A diferença é que eu não sou um ministro de gabinete. Ando pelas ruas, vou à feira, ao mercado, faço compras, escuto as pessoas, vou aonde o povo está. Outro dia, me encontraram no mercado do Leme, de bermuda e chinelo, e falaram: “Você é muito parecido com o ministro Lupi”. Eu falei: “Sou eu mesmo.” O homem olhou para minha roupa e disse: “Mas não pode ser.” E eu brinquei: “Meu irmão, será que por ser ministro preciso fazer compras de smoking?” A diferença é essa. Minhas previsões são com base na realidade dos números e, principalmente, das ruas.

 

ISTOÉ – O sr. defende a flexibilização das leis trabalhistas para impulsionar a geração de empregos, mas não admite uma reforma que tire direitos dos trabalhadores. Como desatar este nó? 

Lupi – Não gosto dessa palavra, “flexibilizar”, porque ela está sempre casada com retirada de direitos. Eu prefiro falar em atualizar a legislação. Atualizar alguns pontos que estão em desuso.

 

ISTOÉ – Por exemplo? 

Lupi – O trabalho aos domingos. A legislação proibia, mas a realidade da economia passou a exigir. Os patrões passaram a conceder a folga no meio da semana. Aí o trabalhador se sentia cerceado em seu direito. No dia da semana o cara não tinha como sentar à mesa do bar e tomar uma cervejinha, jogar um carteado. Para alguns senhores pode até não parecer ético, mas as pessoas gostam de beber e jogar aos domingos. Então fizemos uma negociação, devagarinho, com consenso, até que no ano passado saiu a regulamentação. O trabalhador ganha um dinheirinho a mais trabalhando aos domingos. E mantém o direito garantido de, a cada dois domingos trabalhados, ter um de folga. A palavra de ordem é essa: “atualizar” a legislação trabalhista. Você não tem como impor à sociedade mudanças se ela não estiver plenamente preparada para isso.

 

ISTOÉ – Quais outras atualizações o sr. pretende negociar? 

Lupi – Um grande desafio é incluir os jovens no mercado. Como fazer com que os garotos da Rocinha sejam cooptados pelas empresas de informática, e não pelo tráfico? Para isso, vamos lançar um programa para a inclusão digital com qualificação profissional. Outro desafio é incluir 55 milhões de trabalhadores que estão no mercado informal. Tem o autônomo, aquele que é informal por opção, como o advogado. Quando eu trabalhava como jornaleiro, eu estava nesse grupo. Tem também aqueles que são empurrados para a informalidade, como o vendedor ambulante que trabalha em mercados populares. Esses aí precisam da proteção do Estado; eles são uns 15 milhões.

 

ISTOÉ – Como assim? 

Lupi – Minha idéia é que eles sejam submetidos a uma legislação específica, como a das empregadas domésticas. Elas têm a carteira assinada pelo patrão e um desconto diferenciado. Não possuem os mesmos direitos de um trabalhador da economia formal, mas têm aposentadoria. Podemos criar um Fundo Público de Previdência e dizer: você vai ter uma aposentadoria e um rendimento se descontar R$ 10 por mês durante 20 anos. Hoje ele poderia até contribuir como autônomo. Mas para o ambulante não compensa, o desconto como autônomo é alto.

 

ISTOÉ – Os empresários dizem que os encargos sociais elevados reduzem a competitividade e que a flexibilização gera mais empregos. O Congresso vai discutir a reforma trabalhista

Lupi – É uma decisão definitiva do governo não fazer reforma alguma na CLT para retirar direitos. Além disso, as grandes empresas e as multinacionais já incorporaram os custos trabalhistas aos preços dos produtos. O que precisamos agora é encontrar uma fórmula para que as pequenas e microempresas reduzam a informalidade. O segredo não está em mudar a CLT, mas sim os impostos. Estou propondo criar uma tabela diferenciada de impostos em troca da geração de empregos com carteira assinada. É o que chamo de “mais valia do emprego”. Quanto mais empregos a empresa gerar, menos impostos ela terá de pagar. Se por um lado o governo perde na arrecadação, por outro ganha com a redução do déficit da Previdência. Eu já vinha negociando isso com o ministro Guido Mantega. Aí veio essa história da CPMF e o governo perdeu R$ 40 bibilhões, foi tudo zerado. Vamos dar um tempo e tentar retomar as conversas.

 

ISTOÉ – Um dos legados da sua gestão foi repassar 10% do imposto sindical para as centrais sindicais. O sr. não teme entrar para a história como o ministro que institucionalizou o peleguismo? 

Lupi – Então, o mundo é só de pelegos. As centrais sindicais nos apóiam porque esse é um governo que protege os trabalhadores. Além disso, esse dinheiro vem do salário do trabalhador. Por lei, todo ano o trabalhador desconta um dia do seu salário e repassa para o seu sindicato. Se fosse de outra forma, os sindicatos não conseguiriam se manter. É muito sindicato. Só que o governo ficava com 20% disso. Agora, fica com 10% e as centrais sindicais com outros 10%.

 


ISTOÉ – O candidato do PDT à Prefeitura do Rio, o radialista Wagner Montes, lidera as pesquisas. Mas ele parece o Capitão Nascimento do filme Tropa de elite. O que pensaria Brizola? 

Lupi – Wagner Montes representa o fenômeno de um homem que sabe se comunicar bem com o povo. A polícia não é responsabilidade do município, e sim do Estado. Dá para imaginar que o Wagner Montes vá encarnar um Capitão Nascimento sem tropa? Além disso, não está garantido que ele será nosso candidato. Há também o deputado federal Brizola Neto, que representa os ideais políticos do avô, e o deputado estadual Paulo Ramos, líder da bancada. Vamos decidir pelo debate. Embora nos chamem de caudilhos, somos democratas.