Golpe de 64: por carta e relato, a indignação patriótica de João Goulart


Por Bruno Ribeiro / FLB-AP
06/12/2020

Documentos são resgatados em homenagem aos 44 anos do falecimento do líder trabalhista, no exílio

*Por Bruno Ribeiro / FLB-AP

O falecimento do ex-presidente da República, João Goulart (Jango), na Fazenda La Villa, em Mercedes, na Argentina, em pleno exílio, foi a conclusão da resistência de um líder constitucionalista e democrático brasileiro. O 6 de dezembro, de 1976, entrou também para a história como um atestado representativo das sequelas geradas pela ditadura militar, a partir de 1964.

Em documentos que traduzem as ações e sentimentos do líder eleito, destacam-se a última carta, antes da partida para o Uruguai, e um relatório enviado diante do desenrolar do controle das Forças Armadas no Estado. Resgatadas pelo Centro de Memória Trabalhista (CMT) em publicação do “Espaço Democrático”, de 1984, as duas manifestações tinham o mesmo destinatário: o líder do antigo PTB na Câmara, deputado federal Doutel de Andrade.

“Se houvesse um ponto onde resistir objetivamente, permaneceria na estacada para, mesmo com sacrifício, marcar meu protesto. Nem esta hipótese é mais possível, razão pela qual penso cruzar a fronteira, onde gostaria de conversar com os meus amigos.” Assim, Jango encerrou a sua última correspondência escrita, em território brasileiro, antes do exílio.

Em relatório, enviado do exterior, o trabalhista manifestava seu apreço pela nação, valorizava os pilares populares da sua gestão e a indignação contra as medidas arquitetadas por grupos que se beneficiaram diretamente do golpe imposto.

“Sinto-me, Doutel, infeliz como brasileiro, longe do convívio dos meus amigos e enxotado da minha pátria, que procurei servir, quando sou obrigado a tratar de assuntos dessa natureza”, declarou, ao completar: “Devia estar pedindo informações ao meu líder acerca das notícias, também divulgadas pela imprensa internacional, de que o Brasil, nos últimos 3 meses, sofreu um prejuízo na sua exportação de café de mais de 100 milhões de dólares. Devia falar da Lei de Remessa de Lucros, que já foi revogada, do custo de vida, etc.”

Carta, antes do exílio:

“Doutel,                              

Hoje, penso atravessar a fronteira para o Uruguai, cujo governo fiel às suas grandes tradições democráticas, comunicou-me que tudo será facilitado. Espero, de lá, entrar em contato com os meus amigos e companheiros.

Tentei permanecer mais tempo no país, mas cheguei à conclusão de que, no momento, minha presença aqui em nada alterava a situação de fato com minha deposição e a posse ilegal e inconstitucional do presidente da Câmara.

Ontem, ou melhor esta madrugada, no calor de um cerco militar enviei ao amigo, para conhecimento dos meus leais companheiros, uma mensagem que ficou com o dr. Ayrton… A impressão que se tem é de que, só com algum tempo, poderemos rearticular nosso programa de ação.

Quando, no Rio, senti que a defesa das forças leais à Constituição não correspondia em virtude do desmoronamento dos escalões médios. Tentei Brasília. Lá, quadro idêntico. Toquei para Porto Alegre, para lá, ao lado de outros companheiros, tentar a resistência legalista.

Também, ao fim de algumas horas, tudo foi se tornando cada vez mais difícil… pela rapidez com que o povo foi surpreendido. Vim para a fronteira, onde permaneço, há dois dias, e de onde esperava contatos com amigos.

As condições foram se tornando… em virtude da prisão em massa dos nossos companheiros mais dedicados… Se houvesse um ponto onde resistir objetivamente, permaneceria na estacada para, mesmo com sacrifício, marcar meu protesto. Nem esta hipótese é mais possível, razão pela qual penso cruzar a fronteira, onde gostaria de conversar com os meus amigos.”

João Goulart

4-4-64

Relatório, no exílio:

“Sinto-me, Doutel, infeliz como brasileiro, longe do convívio dos meus amigos e enxotado da minha pátria, que procurei servir, quando sou obrigado a tratar de assuntos dessa natureza.

Sangra-se estar respondendo, ultimamente, a infâmias tão baratas e tão sórdidas, quando o meu dever era estar tratando com o líder do meu partido de outros assuntos de interesse do Brasil… Devia estar conversando com o líder do PTB, por escrito, a respeito das recentes informações do sr. Tomaz Mann, quando declara à imprensa que financiou e estimulou governos estaduais do nosso país a precipitar a queda do governo constitucional… Devia estar falando do comportamento do nosso País na recente reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Devia estar pedindo informações ao meu líder acerca das notícias, também divulgadas pela imprensa internacional, de que o Brasil, nos últimos 3 meses, sofreu um prejuízo na sua exportação de café de mais de 100 milhões de dólares. Devia falar da Lei de Remessa de Lucros, que já foi revogada, do custo de vida, etc.”