Da periferia de São Paulo à Câmara Federal, passando por Harvard

Foto: Vangli Figueiredo

Por Max Monjardim
05/11/2018

A filha de um trocador de ônibus e uma diarista do Extremo Sul da periferia de São Paulo não imaginaria que, aos 24 anos de idade, teria no currículo um diploma em Ciências Políticas pela Universidade Havard, dos Estados Unidos, e um passaporte cheio de carimbos de vários lugares do mundo. Muito menos que chegaria à Câmara Federal, eleita como a segunda mulher mais votada do Brasil – com mais de 264 mil votos. Mas Tabata Amaral conseguiu, e pelo PDT, vai defender na tribuna da Câmara dos Deputados a Educação pública de qualidade, a quem deve tudo o que conquistou até hoje. Nesta entrevista ao site do PDT Nacional, Amaral conta um pouco de sua história e seus planos no Congresso Nacional.

Tabata desembarcou em Brasília duas semanas depois das eleições – a primeira vez como deputada federal eleita. Na sede do PDT Nacional, onde já participa de reuniões técnicas sobre o processo legislativo, Tabata já sabe quais caminhos seguir: Educação e questões relacionadas aos direitos das mulheres. Foi entre uma reunião e outra que a deputada eleita recebeu a equipe do PDT Nacional e adiantou como vai ser sua atuação.

Quem olha Tabata hoje não imagina o caminho percorrido para chegar ate aqui. Nascida e criada na Vila Missionária, bairro formado na década de 70 basicamente por operários migrantes que chagavam à São Paulo atrás de um futuro melhor, a agora deputada federal estudou em colégio público até os 13 anos. Seu destino foi selado em 2005, quando as escolas públicas passaram a participar da Olimpíada de Matemática. Tabata venceria no ano de estréia e no seguinte, o que lhe renderia uma bolsa integral de estudos e um renomado colégio particular da capital paulista.

“A escola ficava a uma hora e meia de casa. E foi lá que eu ouvi falar, pela primeira vez, em faculdade e que sim, eu poderia fazer uma. É importante ressaltar isso porque na periferia muita gente acha que nem pode cursar uma Universidade. E foi neste mesmo período que comecei a questionar muita coisa, principalmente porque as coisas eram tão desiguais. Foi aí que eu comecei a me engajar com a educação, porque estava muito claro que eu estava ali pela educação, enquanto amigos meus morreram muito jovens, se envolveram com crime muito cedo pela falta de educação”, relembra Tabata.

Como seu sonho era ser astrofísica, Tabata então foi selecionada para a equipe brasileira e participou de cinco competições internacionais, em países como Turquia e China. Ela relembra que era a única mulher e da periferia a participar dos campeonatos, e então resolveu mergulhar no universo do ativismo. Seu desempenho internacional lhe rendeu nada menos do que seis bolsas integrais nas melhores universidades americanas.

“Quando fiz as provas, meu inglês era muito fraco, mas mesmo assim as universidades americanas não olharam apenas isso. O peso pelo caminho percorrido é mais importante que a fluência na língua, e este é um dos quesitos que vou batalhar para implantar no Brasil. Se as universidades brasileiras levassem isso em conta, o perfil de quem entra seria completamente diferente”, ressalta.

Apenas quatro dias depois de ganhar as bolsas, seu pai faleceu por questões ligadas à dependência química. Tabata enxergou, naquele momento, que o mundo conspirava para “me colocar no meu lugar, mostrar que eu vinha da periferia e que aquilo tudo não era o meu lugar”, e negou todas as bolsas. Nesta altura já cursava Física na USP, e decidiu então abandonar os estudos e trabalhar. Mas, graças aos seus professores – cujo olhos mareiam quando relembra – Tabata resolveu aceitar a bolsa de Havard em Astrofísica e seguir seu destino.

“Foram meses até os meus professores me convencerem que eu deveria ir. Eles não me convenceram dizendo que eu era boa ou que eu ia dar conta, eles falaram que se eu não fosse eu iria carregar o peso pela primeira pessoa de periferia que teve essa oportunidade e não foi, com a consequência de que uma galera ia achar que não é pra eles”, enfatiza.

Em Havard, em contato com pessoas de várias partes do mundo e com realidades muito próximas à sua que Tabata, então, resolveu dar uma, digamos, grande guinada e partir para o curso de Ciências Políticas, deixando a Astrofísica como opção secundária, o que também lhe rendeu diploma nesta faculdade. Ela queria entender porque a desigualdade ainda é tão grande no mundo.

No retorno ao Brasil, foi uma das fundadoras dos movimentos “Acredito” e “Mapa da Educação”, o que lhe rendeu estudos aprofundados sobre a Educação em diferentes cidades brasileiras e acompanhamento in loco de ações. Em Sobral – berço político da família Ferreira Gomes – Tabata relembra que foi quando percebeu que o problema da educação do Brasil era muito mais simples de resolver: basta ter vontade política.

“Eu já tive muitas experiências na educação e fica muito óbvio que, quando você está em Salvador e em Sobral, por exemplo, o que falta não é diagnóstico. Eu sei descrever para quem me perguntar o que Sobral fez; não faltam bons exemplos, falta vontade política, e aí começou a acumular em mim uma descrença com a política. Falta ator político – como em Sobral tem – para colocar as soluções em prática. Foi aí que decidi me candidatar. O PDT foi o caminho natural por se tratar do único partido brasileiro que tem, ao longo da sua história, ações concretas na área da educação, principalmente as de Brizola, tanto no Rio Grande do Sul como no Rio de Janeiro”, comenta.

Os próximos passos serão de muito estudo, argumenta Tabata. Recém eleita, ela sabe que vai encontrar pela frente um dos Congressos mais conservadores da história política do Brasil. Neste caso, enxerga, o assunto poderá não entrar na pauta como deveria.

“Muita gente foi eleita sem proposta, negando a política, com discurso de ódio. E o meu papel é cavar espaço para pautas que eu carrego. A gente fala de formação de professores, a gente fala de uma reforma do Fundeb, um modelo do Ceará com gestão, então na minha opinião, as propostas que a gente tem para educação não entram na polarização típica. E qual vai ser o meu desafio? Acho que é sair da discussão rasa, por exemplo, ideologia de gênero, escola sem partido – que eu vou me posicionar muito fortemente contrária – porque falam dos direitos humanos, mas não é o que fazem os alunos aprenderem ou não a ler e a escrever. E se a gente fica só aqui falando sobre isso, as pautas que realmente se fazem necessárias ficaram por trás”.