Com legado de Jango, Christopher Goulart é pré-candidato em São Borja (RS)


Por Bruno Ribeiro / FLB-AP
14/08/2020

Valorização da educação e redução de desigualdades baseiam ações do neto do ex-presidente da República

 

Berço do Trabalhismo, São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, mantém pulsante o seu perfil provedor e acolhedor de lideranças democráticas brasileiras. Terra natal de dois presidentes da República, Getúlio Vargas e João Goulart (Jango), além de reduto do ex-governador, Leonel Brizola, a cidade, que valoriza e protege sua história, desponta com a oportunidade de construir, em 2020, mais um importante capítulo a partir de um elo diretamente ligado pelo DNA: Christopher Goulart.

Neto de Jango, o advogado e primeiro suplente de senador, pelo PDT, lançou recentemente sua pré-candidatura à prefeitura do município de 60 mil habitantes e localizado a 586 km da capital do estado. Por ter nascido no exílio, Christopher escolheu o local como “terra do coração” e, agora, quer retomar a revolução pacífica desenvolvida por seus “heróis da pátria” através da educação e das reformas de base, pilares do combate à desigualdade social.

Representante, portanto, de uma geração que exalta o passado como indutor da constante luta por um país igual e justo, principalmente nas camadas populares, o pedetista também relata, ao longo da entrevista, momentos marcantes, posicionamentos firmes e projeções estruturadas que ratificam a intenção concreta de energizar as bandeiras trabalhistas em solo são-borjense.

Você nasceu no exílio e tem uma família marcada pela luta democrática. O que representa ter o sobrenome Goulart?

Um golpe civil-militar condenou meu avô a morrer no exílio. Eu nasci em Londres, na Inglaterra, em razão dessa história, que teve início em São Borja. Minha mãe é uruguaia, mas escolhi este município gaúcho como minha terra do coração porque eu mereço pertencer a algum lugar. Não ter tido a oportunidade de nascer lá, ou em qualquer espaço do Brasil, faz parte de um desdobramento da história política nacional. Considerando minhas origens e experiência de vida, enxergo de forma clara a grandeza da nossa cidade.

Nessas circunstâncias, o sobrenome Goulart é uma honra que me torna muito mais consciente da importância da minha missão. Não desejaria as perseguições políticas, assassinatos, mortes e torturas para absolutamente ninguém. Minha vida é uma consequência direta de uma trajetória muito dura e de lutas travadas pela minha família. Por isso, o sobrenome e o sangue que carrego nas veias me fortalecem diante das dificuldades. Não tremo com a injustiça e a hipocrisia, pois tenho coragem de sobra para enfrentá-las.

O sobrenome representa, justamente, os valores que estão colocados em xeque pelo atual cenário, ou seja, a luta pela democracia, a defesa do direito dos trabalhadores e, sobretudo, pela liberdade.

Seu avô, João Goulart (Jango), teve uma trajetória política marcante, principalmente no ministério do Trabalho, com Getúlio Vargas, e, posteriormente, na presidência da República. A defesa dos direitos dos trabalhadores e das reformas de base ratificaram seu comprometimento com as causas populares?

Estas bandeiras são o combustível que necessito para reascender a fogueira do amor pela causa pública, dos ideais da democracia, da liberdade e dos dias melhores que virão. São cláusulas pétreas da minha vida pública e trajetória política.

As reformas de base eram a visão de um Brasil moderno, que as elites retrógradas impediram e estagnaram o desenvolvimento soberanos de nossa nação. Ao pensar em progresso do país viabilizado através o acesso inclusivo das massas e pensando na essência dos problemas reais, Jango contrariou frontalmente interesses econômicos que, até hoje, desejam ver o povo pedindo esmolas.

Principalmente a reforma agrária e a lei de remessa de lucros, que eram as reformas que nenhum outro presidente teve a coragem de realizar e buscavam a efetivação da justiça social em nosso país.

Por isso, a defesa dos trabalhadores e das reformas de base são, sim, inspirações permanentes em minha caminhada política.

O Trabalhismo – com suas lideranças e vasto legado – é um diferencial para os pedetistas?

O Trabalhismo é a doutrina mais moderna para guiar os destinos do Brasil. Nos termos de Alberto Pasqualini em “Bases e diretrizes para uma política social”, não estimulamos à luta de classes. Buscamos o diálogo entre os interesses do capital e do trabalho, pois entendemos que o capital é fundamental para o desenvolvimento fundamentado no capitalismo.

De outra sorte, combatemos o rentismo, especulação financeira e o capitalismo parasitário. Entendemos a base capitalista estimulada por uma consciência social. Nesse sentido, nosso desafio, hoje, é fazer com que a sociedade compreenda nossos métodos, de uma forma mais clara. É dessa forma que eu interpreto a minha missão, como militante do PDT, na aplicação dessa visão de mundo que a história nos ensinou.

Com a proximidade das eleições municipais, como você avalia a atual realidade local?

Pode até parecer ‘clichê’, mas, sim, a vida acontece, de fato, nos municípios. Pensar que Brasília é uma espécie de ilha, isolada do que se passa em cada cidade brasileira, é um equívoco. O que vemos, hoje: todo o descalabro, o autoritarismo, a falta de transparência, o favorecimento de pequenos grupos políticos e o toma-lá-dá-cá, que de certo modo encontra reflexos, em maior ou menor escala, na realidade local.

Em São Borja, não é diferente. Ironicamente, na cidade que velará eternamente pelos restos mortais de Getúlio, Jango e Brizola, o controle da gestão municipal é exercido por um grupo político-econômico que possui tentáculos na prefeitura e no próprio hospital, que leva o nome de meu tio-avô, Ivan Goulart, e detém o poderio dos principais setores produtivos. Assim como no restante do país, este tipo de cenário gera, inevitavelmente, um choque de realidades. Um embate de versões. Subjuga trabalhadores, servidores públicos e cidadãos de baixa renda aos interesses e às causas próprias deste grupo.

Quebrar este modelo, restabelecer a igualdade e devolver o protagonismo sobre a coisa pública à população é a luta que emerge em nosso horizonte próximo. Em alguns aspectos, pode parecer um tanto quanto peculiar, mas a impressão que se tem é que o tempo passa, mas as lutas permanecem as mesmas. Na condição de militante trabalhista, não me sinto sequer no direito de pensar em fugir desta responsabilidade.

E o impacto da onda reacionária caracterizada por Bolsonaro?

Em uma análise, ainda que superficial, devemos voltar um pouco até 2016. Digo isso, porque a onda reacionária, que, mais tarde, em 2018, elegeria a família Bolsonaro, tem suas origens nas eleições municipais. O fluxo ideológico de resgate de uma extrema direita, aparentemente adormecida, encontrou vazão nas urnas antes de chegar ao Palácio da Alvorada.

Neste contexto, 2020 – um ano atípico, que todos gostaríamos que tivesse sido diferente – pode demarcar uma retomada dos ideais humanitários que são, sim, uma contraposição direta a tudo que percebemos na presidência da República. Este é o desafio do campo de centro-esquerda: estabelecer as bases para o enfrentamento de 2022. Toda cidade brasileira será preponderante para a consolidação deste processo. Em São Borja não é diferente.

Lutamos contra forças alinhadas às insanidades ideológicas de Bolsonaro. Vamos combatê-las com a convicção de nossos ideais e a garantia de promover propostas mais abrangentes, que não segreguem e que sejam capazes de gerar união interna com o foco, sempre, na população mais necessitada.

Sobre o desafio de gerir uma cidade tão simbólica, quais serão as prioridades?

São Borja, assim como a grande maioria dos municípios do país, tem o desafio de contornar a profunda recessão gerada a partir da tragédia do coronavírus. Para se ter uma ideia, em 2018, antes do início da pandemia e, portanto, do aprofundamento da recessão, o IBGE apontava que o salário médio mensal aqui era de 2.2 salários mínimos.

A proporção de pessoas ocupadas, em relação à população total, chegava somente a 18.2%, algo equivalente a pouco mais de 11 mil pessoas ocupadas formalmente. Além disso, a informação mais impactante indica que, considerando-se apenas os domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, São Borja possuía 37% da população – ou seja, mais de um terço dos habitantes – vivendo nessas condições. Cabe frisar: isso tudo antes do impacto do Covid-19.

Agora, o desafio é gerir o futuro da nossa cidade, construir o amanhã. Neste contexto, a nossa pré-candidatura que promove um recontro com as origens e resgata a chama do trabalhismo na terra dos presidentes. É o reflexo de um movimento que vai reafirmar definitivamente a nossa São Borja como verdadeira protagonista no cenário nacional e poder, assim, elevá-la a novos patamares para atrair os investimentos tão necessários para desconcentrar a renda, potencializar os setores produtivos característicos do município e diversificar a matriz, sobretudo, por meio de projetos de incentivo à agricultura familiar e a formalização do trabalho no campo. Emprego e renda são fatores de extrema urgência para superar a crise instalada.

Você defende a volta de projetos como do ensino integral, no padrão das famosas brizoletas?

O ensino integral é uma das principais bandeiras programáticas do trabalhismo, simbolizado com as famosas brizoletas. As gestões trabalhistas que administraram São Borja, nos últimos 12 anos, foram responsáveis por revolucionar a educação na cidade. Construímos três escolas, com creches de tempo integral e atraímos o campus da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e também os cursos técnicos, em diversas áreas, por meio da instalação do Instituto Federal Farroupilha (IFFar).

Hoje, uma criança nascida aqui pode concluir todas as etapas de sua formação escolar e acadêmica sem deixar o município. No entanto, a gestão atual interrompeu um ciclo benéfico e diminui as vagas de tempo integral com o objetivo de abrir novos espaços na rede pública municipal sem investir um centavo sequer na construção de novas escolas e salas de aula. Trata-se de um erro grave que vamos corrigir.