Bem-vindos a 1984 e ao Ministério da Verdade


Por Eduardo Rodrigues de Souza
23/04/2019

No clássico 1984, de George Orwell, escrito em 1949, fomos apresentados, através da personagem Wiston, a uma distopia sobre um mundo totalitário onde o governo (e o governante conhecido como Big Brother) controla tudo e todos. Wiston é funcionário de um dos quatro Ministérios a que foram reduzidos o governo, o da Verdade. Os outros são: o Ministério da Paz, responsável por guerras; o Ministério da Fartura/Riqueza, que cuida da economia e da fome, alterando dados de produção e fazendo toda a população achar que o país vai muito bem; e o Ministério do Amor, que mantém o Estado de Direito, a Justiça e a Segurança Pública e é responsável pela espionagem.

Pois bem, o Ministério da Verdade se ocupa de notícias, entretenimento, educação e cultura, sendo o responsável pela falsificação de documentos, escritos variados e mesmo literatura que pudessem servir de referência ao passado. A ideia das alterações nesses escritos é fazer com que tudo sempre condiga com o que o Partido diz ser verdade. Isso mesmo, o Ministério da Verdade é encarregado, no livro de Orwell, a modificar a história passada de modo a deixá-la de acordo com a vontade daquele que está no poder. Uma das formas de fazer isso é a mudança de significados das palavras, em uma tática de renovação da língua e seus significados que foi batizada de “novilíngua”.

Ao que parece, o Brasil dará mais um passo a caminho da concretização do roteiro do livro referencial de George Orwell. Em entrevista ao site Valor , no dia 03 de abril, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, diz que “haverá mudanças progressivas” nos livros didáticos para “que as crianças possam ter a ideia verídica, real” do que foi a sua história. Segundo a matéria do Valor, assinada pelos jornalistas Fabio Murakawa e Carla Araújo, o ministro se referia à maneira como o golpe militar de 1964 e a ditadura são retratados nas escolas. Ao negar a história, o ministro, que já esteve envolvido em outras polêmicas, diz que não houve ditadura, mas um regime democrático de força, e que a Constituição da época foi seguida. Deve esquecer o ministro que os Atos Institucionais subverteram a democracia. Isso vale para o AI-1, de 9 de abril de 1964, que dava ao governo militar o poder de alterar a Constituição, cassar leis legislativas, suspender direitos políticos; isso vale para o AI-5, que suspendeu o “habeas corpus”, instituiu a censura e suspendeu direitos políticos de qualquer pessoa.

Ao tentar reeditar a história, o ministro mostra, mais uma vez, o caráter autoritário das ações do governo federal atuante no País. Seguindo o roteiro orwelliano, constrói um ministério que se encarrega de modificar a história passada para que fique ao gosto dos governantes, um Ministério da Verdade à brasileira. Como se vê, o livro do escritor inglês, lançado em 1949, está completamente atual.

Bem-vindos a 1984!

*Eduardo Rodrigues de Souza é advogado, professor e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Bahia, vice-presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini da Bahia e secretário-geral do PDT baiano.